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Alaíde Costa homenageia o amigo Johnny Alf na primeira live da carreira

12/08/2020
Alaíde Costa homenageia o amigo Johnny Alf na primeira live da carreira

Desde que a quarentena foi instituída, em março, Alaíde Costa não se apresenta em público. Lá se vão cinco meses desde o último show, uma homenagem coletiva a Elizeth Cardoso no Sesc Pinheiros transformada em disco já disponível nas plataformas digitais.

Com exceção do tempo em que precisou se recuperar de uma operação nos ouvidos, há cerca de 50 anos, esse é o maior hiato na trajetória da cantora que começou a carreira profissional em 1956, quando foi contratada pelo Dancing Avenida, famosa casa noturna carioca.

A produção de Alaíde tenta viabilizar uma live para ela há um bom tempo. A espera acaba amanhã, às 19h, quando a cantora se junta a Giba Estebez (piano) e Vitor Alcântara (sopros) para interpretar músicas do compositor e pianista Johnny Alf (1929 – 2010). A apresentação será transmitida pelos canais do YouTube e do Facebook do Museu Afro Brasil.

Ela afirma que decidiu fazer uma live em homenagem a Alf por considerá-lo um grande compositor que não teve o talento devidamente reconhecido, ainda que na semana passada o jornal The New York Times tenha feito um perfil contando a história do compositor e levantando as razões sobre o legado dele não ser motivo de celebrações.

No repertório, estarão os grandes clássicos de Alf, como Eu e a Brisa, Ilusão à Toa, O que é Amar e Rapaz de Bem. Esta, lançada em 1955, já trazia os elementos harmônicos e melódicos da bossa nova três anos antes de João Gilberto lançar Chega de Saudade, com letra sobre um jovem abonado que só pensa em curtir a vida.

A primeira live da carreira de Alaíde só se concretizou com a ajuda financeira de um amigo dela, que prefere não se identificar. Ele pagou todos os custos. Para a cantora de 84 anos, que tem modestos (mas fiéis) seguidores nas redes sociais, o show virtual demorou a ocorrer porque o Brasil não valoriza os artistas idosos nem a história relevante deles.

“Está sendo um período difícil, sem trabalhar, e acham que a gente não está cantando mais. Graças a Deus, acho que estou cantando melhor”, diz a cantora.

Alaíde e Alf são personagens da mesma história de resistência. Enquanto a indústria cultural brasileira tentava moldar os cantores negros como sambistas, os dois cariocas dos subúrbios foram por outros caminhos. Alf (batizado como Alfredo José da Silva) tocava piano e admirava música clássica; Alaíde tinha influências do jazz e do samba-canção.

Por conta disso, foram considerados artistas “difíceis” pelas gravadoras. “O preconceito é velado, mas existe. Eu era muito menina, ingênua, e não percebia”, relembra a intérprete.

O primeiro encontro entre Alaíde e Alf ocorreu em 1953, na Rádio Clube do Brasil. Tímidos, os dois não estreitaram a relação naquele momento, o que aconteceu anos depois. As boates de São Paulo pagavam melhores cachês aos músicos e Alf radicou-se na cidade, para onde a cantora também se mudou e onde mora até hoje.
Alaíde via uma apresentação de Alf na boate Lancaster, que ficava na Rua Augusta, e o compositor a chamou para uma canja. Nunca mais se afastaram e fizeram shows juntos até os anos 2000.

Pouco depois da morte do amigo, Alaíde o homenageou com o álbum Em Tom de Canção (2010), em que incluiu músicas menos conhecidas dele. O projeto fez parte da caixa Johnny Alf Entre Amigos, com outros dois álbuns. A cantora diz que a repercussão do trabalho foi pequena e gostaria que algumas das canções fossem mais conhecidas. Por isso, ela quis recuperar para a live Foi Tempo de Verão, Estou Só e Meu Sonho, a única parceria dos dois.

Há também a lembrança de Quem Sou Eu?, música que ela registrou pela primeira vez no álbum Coração (1976), produzido por Milton Nascimento, outro grande amigo de Alaíde.

A cantora também guarda lembranças da aproximação com João Gilberto. “Comecei a participar da Bossa Nova por causa dele”, afirma. Discretamente, o baiano viu as sessões de gravação de um 78 rotações que Alaíde preparava, com as músicas Frases de Amor e Domingo de Amor.

João pediu ao produtor Aloysio de Oliveira que a convidasse para ir a uma reunião de jovens artistas na zona sul do Rio. “Foi na casa do pianista Bené Nunes que encontrei os meninos da Bossa Nova, que ainda nem tinha esse nome”, conta Alaíde. Ela foi. João nunca apareceu.

Alaíde não se queixa de ter deixado de participar do movimento quando ele explodiu no Brasil e no exterior. Ao contrário: tem orgulho de ter criado um caminho próprio. “Não tenho que me defender de nada. As pessoas que me conhecem sabem bem quem eu sou.”

Uma outra live de Alaíde está prevista para o dia 4 de setembro, pelo projeto Cultura em Casa, com repertório dedicado às músicas mais representativas de sua carreira.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.