Variedades

‘Washington’, homem e mito

05/07/2020

O mais perto que a maioria das pessoas pode chegar de George Washington, que foi comandante das forças locais contra os britânicos na Revolução Americana e o primeiro presidente dos Estados Unidos, é quando se pega uma nota de um dólar nas mãos ou visita o Monte Rushmore. Normalmente, ele é uma figura solene, distante no tempo. Por isso, a minissérie Washington, em cartaz no canal History, tenta desmistificar um pouco a figura do pai da pátria americana. “Eu sempre tento mostrar esses líderes cometendo erros, sendo jovens, se equivocando e crescendo em sua posição”, disse em entrevista ao Estadão a historiadora Doris Kearns Goodwin, que escreveu biografias de outros presidentes, como Abraham Lincoln, Franklin D.

Roosevelt e Lyndon Johnson, e é produtora e consultora da minissérie, que fez tanto sucesso que vai ter sucessoras sobre Lincoln e Teddy Roosevelt.

Para isso, ela reuniu um time de historiadores especialistas em George Washington, como Joseph Ellis, Edward Lengel, Alexis Coe e Annette Gordon-Reed, fazendo questão de incluir mulheres e pessoas não brancas – Coe é a primeira biógrafa do sexo feminino do primeiro presidente. “Eu acho fundamental ter mais mulheres e pessoas de outras etnias como historiadores”, disse Goodwin. Essas vozes trazem novos pontos de vista que muitas vezes foram ignorados ou minimizados, como o fato de Washington ter tido escravos, somente libertados depois de sua morte. “É desapontador que ele não estivesse à frente de seu tempo”, disse Goodwin. “Seu contexto era outro. E ele não era perfeito. Mas obviamente temos de falar sobre isso.” Doris Kearns Goodwin acredita que o movimento de derrubada de estátuas foi um pouco longe demais ao atingir também as de Washington. “As estátuas dos Confederados, que defenderam a manutenção da escravidão e a ruptura da União na Guerra Civil, têm de ser retiradas. Mas eu acho que há uma diferença em relação a Washington ou Lincoln. Líderes muitas vezes têm de fazer acordos. É verdade que Lincoln achava que negros e brancos não deveriam se casar. Mas ele liderou o país na Guerra Civil e na Proclamação da Emancipação. Ele acreditava que era preciso ter um ideal de país e caminhar, mesmo que devagar, em direção a ele.”

Washington também conta com entrevistas de Colin Powell, general aposentado e ex-secretário de Estado american, que dá uma perspectiva sobre liderança militar, e o 42º presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. “Eu queria que ele falasse sobre o cargo, sobre o precedente instaurado por George Washington de deixar a presidência após dois mandatos”, contou Goodwin. Clinton, porém, era bem informado sobre o período de Washington, inclusive as batalhas.

Além das entrevistas, a minissérie encena passagens importantes da vida privada e pública de George Washington (interpretado pelo escocês Nicholas Rowe), procurando humanizar os heróis do país. “Para mim, foi importante mostrar a relação entre Washington e Alexander Hamilton, como ele se cercou de pessoas fortes e competentes e estava disposto a ouvi-las.” Hamilton, um personagem controverso e meio deixado de lado na história americana, ganhou outro status graças ao musical de Lin-Manuel Miranda, que pode ser visto no canal Disney+ nos Estados Unidos. “Na série, mostramos os problemas envolvendo Hamilton, como a alta dos impostos”, disse Goodwin.

Alguns historiadores discordam de como o musical apresenta os fatos. “Mas eu acho que ele tem um impacto parecido com o de Harry Potter na leitura, fazendo os jovens se interessarem mais por história.”

Para Goodwin, a história ensina a lidar com os problemas de hoje. “Não seria ótimo se pudéssemos trazer George Washington de volta e instalá-lo agora no Salão Oval da Casa Branca?”, questionou. “Washington falava muito no Estado de Direito, na importância de se manter a dignidade, de dar um exemplo ao povo. Ele viajou pelo país para entender o que estava acontecendo com a população.”

Os Estados Unidos têm uma eleição presidencial em quatro meses, e a historiadora espera que a minissérie possa ajudar os eleitores. “Uma das coisas que tentamos foi mostrar as características de um líder. Ele tem humildade? Consegue reconhecer seus erros e aprender com eles? Possui empatia? Não tem medo de ser cercado de pessoas de personalidade que questionam suas crenças? Tem a ambição de fazer algo maior do que si mesmo?”, indaga. E dá um conselho: “Examinem a vida inteira do candidato. Todos vieram de algum lugar. Como governador, prefeito ou empresário, quais eram suas atitudes? A campanha em si é o menos importante. O que importa é o caráter”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Mariane Morisawa, ESPECIAL PARA O ESTADO
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