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Dia do Museu em Palmeira: sem razões para comemorar, mesmo antes da pandemia

19/05/2020
Dia do Museu em Palmeira: sem razões para comemorar, mesmo antes da pandemia

A palavra “museu”, do grego Mouseion, refere-se ao lugar onde eram cultuadas nove musas, filhas de Zeus e Mnemosine – a deusa da memória. Modernamente, quando as identidades encontram-se mais instáveis e o senso comunitário cede espaço ao despertencimento, essas importantes instituições funcionam como última trincheira para resguardo dos usos e costumes de um povo. Assim, por iniciativa do ICOM (Conselho Internacional de Museus), desde 1977, em 18 de maio comemora-se ao redor do globo o Dia do Museu, tendo como objetivo a conscientização das populações sobre o papel desses espaços no desenvolvimento histórico da sociedade. 

No entanto, apesar da data comemorativa, a cidade de Palmeira dos Índios não tem há um tempo razões para celebração da efeméride. Talvez por reflexo da política de sucateamento da cultura proposta pelo Governo Bolsonaro, talvez por inépcia dos gestores locais (ou até mesmo por esses dois fatores somados), o Município enfrenta uma situação inédita, que iniciou-se mesmo antes da pandemia da covid-19: com a Casa Museu Graciliano Ramos fechada em 2017 e o Museu Xucurus em fevereiro do presente ano, os dois museus da cidade encontram-se com as portas cerradas. 

Casa de Graciliano fechada de 2017

Casa de Graciliano Ramos fechada desde 2017

 Já publicado aqui pela TRIBUNA DO SERTÃO, o tempo de fechamento da Casa Museu Graciliano Ramos estarrece ainda mais. O relevante equipamento cultural da cidade – dada a importância do lugar que abrigou o escritor de projeção internacional – sofre com a desídia do Poder Executivo Municipal, que não lhe confere tratamento correspondente à dimensão que possui. Desde o longínquo início do ano de 2017 que as portas da Casa encontram-se cerradas em razão de obras paralisadas, perdurando esquecida pela Gestão que propala aos quatro ventos ser Palmeira a “capital da cultura”. Revela-se o discurso quando associado à real prática administrativa como um barato artifício de propaganda, de mera hipocrisia.  

A ordem de serviço assinada pelo Prefeito Júlio Cézar – então em seu primeiro ano de mandato – junto ao IPHAN-AL, transformou-se numa sentença desfavorável à cultura palmeirense e, sobretudo, à memória do escritor que, quando prefeito, foi exemplo de zelo à coisa pública. Prescindindo de exercício mediúnico, não é difícil supor que, se vivo estivesse, Graciliano não pouparia a Administração atual com suas tiradas incisivas. 

A Secretaria Municipal de Cultura, por vez, em fevereiro passado, emitiu nota lamentando e trazendo como causa da paralisação das obras o emperramento das verbas destinadas ao projeto museográfico do local. Disse a secretária que havia esperanças de que, ainda neste semestre, poderia ser realizado novo convênio com o fim específico. O que, em face das restrições orçamentárias impostas pela pandemia, supõe-se restar prejudicado. 

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Museu Xucurus: roubo de armas foi a “bala de prata”

Sofrendo com a má conservação de seus itens – inclusive com a ausência de inventário do acervo lá existente – o Museu Xucurus teve seu funcionamento suspenso em fevereiro do presente ano, após ser alvo de ação furtiva que resultou na subtração de armamento antigo.  

Polêmica no ano passado, a transferência inopinada de seu acervo foi objeto de ação popular que visava suspender tal ação. Alegava-se, dentre inúmeras razões, que a mudança resultaria em perigo de deterioração do material. Após adesão popular à demanda, com participação destacada da população, a Prefeitura recuou e criou um grupo técnico para decidir qual seria o melhor destino do museu. O referido grupo contava com representantes indígenas, do Conselho de Cultura, da Diocese e da Prefeitura, além de uma museóloga – no entanto, até hoje não se viu qualquer ação concreta. 

O que restou evidente aos olhos quase sempre impassíveis da comunidade palmeirense, foi a falta de compromisso da Administração com a gestão cultural de seu patrimônio – ainda mais, em específico ao acervo museológico que encampou. Faltam sistemas de segurança instalados nas imediações – cite-se que o Xucurus usualmente é alvo de vandalismo – bem como falta destinação de verbas – que existem! – à manutenção e conservação dos equipamentos culturais. 

Propaganda enaltece os museus, mas engana. Situação é calamitosa

Prefeitura faz cena em propaganda

Por ocasião do dia 18, a Prefeitura ressaltou a importância da data, fazendo planos de reabertura para o pós-quarentena; ignorou, porém, o estado de abandono em que se encontra o acervo histórico disposto e que os museus encontram-se fechados desde muito antes da quarentena imposta pelo coronavírus. 

Circulou também nas redes um vídeo da responsável pela Secretaria de Cultura, nesse mesmo sentido. 

 

 

O problema é mais embaixo 

As causas do imbróglio – que, como já dito, precede à terrível crise do coronavírus – são as mais diversas e o problema não se restringe aos museus, segundo apontam agentes culturais em Palmeira dos Índios. 

Com a não renovação dos mandatos dos membros do Conselho Municipal de Cultura – que servia de contrapeso aos devaneios folclóricos e burlescos da responsável pela pasta – o órgão foi dissolvido.  

Segundo o advogado e ex-presidente do Conselho, Elias Henrique, “a dissolução só mostra que a gestão é incapaz de cumprir a Lei Municipal 2.017/15 (que cria o Sistema Municipal de Cultura), aprovada pelo próprio prefeito enquanto vereador”. 

De acordo com a membro da companhia de teatro palmeirense Mestre das Graças e  estudante de artes cênicas, Jéssica Euzébio, “é ironia [Palmeira] ser exaltada como capital da cultura, quando não há investimento capital disponível para os que querem promover arte na cidade”. E questiona: “Onde estão os espaços? Onde se encontra o reconhecimento do artista? Aplausos são importantes, no entanto, não se vive de aplausos. Arte é profissão!”, conclui. 

O professor e poeta Luciano José argumenta que “é preciso uma gestão pública que encare a cultura e a arte como formas de desenvolvimento da cidadania e melhoria da qualidade de vida da população”. E prossegue: “Temos que criar condições para a abertura de equipamentos culturais, promover eventos para desenvolver os talentos existentes e outros que virão. A ideia de Palmeira dos Índios como “capital da cultura” deve se realizar de fato com iniciativas que promovam crescimento e espante o marasmo”, finaliza. 

O fechamento das portas do museu revela apenas um dos reflexos da malversação da Administração com o patrimônio cultural. Seria inaptidão ou plano político deliberado de destruição do legado palmeirense? Para responder, não nos custa lembrar um clichê bastante gasto, mas que nunca perde sua verdade: “povo que não conhece sua história, está fadado a repeti-la”. Talvez queira mesmo a gestão que o povo esqueça sua história, para que os erros do passado sejam cometidos impunemente, com a revelia da memória.