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Com cerco a Sanders, debate mostra Partido Democrata distante de unificação

26/02/2020
Com cerco a Sanders, debate mostra Partido Democrata distante de unificação

Os candidatos democratas subiram em um palco de debate nesta terça-feira, 25, pela última vez antes da Super Terça, quando 40% do eleitorado dirá quem deseja ver como candidato presidencial. O eleitor que ligou a televisão para tomar sua decisão antes das prévias assistiu candidatos com tom combativo, falas sobrepostas – que muitas vezes impediam que o espectador acompanhasse a discussão – e uma enxurrada de críticas ao favorito, Bernie Sanders.

“Se passarmos os próximos quatro meses despedaçando o nosso partido, vamos assistir Donald Trump pelos próximos quatro anos despedaçando nosso país”, disse a senadora Amy Klobuchar, ainda no primeiro bloco, quando uma série de ataques já havia sido disparada de todos os lados.

O Partido Democrata define oficialmente em julho, na convenção partidária em Wisconsin, o nomeado para disputar contra Trump. Quanto antes a legenda for capaz de indicar o nome favorito ao posto melhor para unificar a mensagem ao eleitorado. Mas o debate desta terça mostra que os democratas estão longe de chegar a um discurso conciliatório.

Sanders voltou a se apresentar como o nome apto a construir a maior coalizão entre o eleitorado e única força capaz de conduzir um democrata à Casa Branca, mas voltou a ser pintado por seus adversários como um nome polarizador e cujas ideias não são realizáveis. Depois de mostrar sua força nas três prévias já realizadas, Sanders sabia que seria o alvo favorito da noite e conseguiu sobreviver bem aos ataques, tendo saído como um vitorioso entre analistas. Para encerrar sua participação, o senador disse que o maior equívoco a respeito dele é a ideia de que é um radical.

O bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, que no seu primeiro debate, há uma semana, teve um desempenho considerado desastroso, confirmou a dificuldade em reagir a confrontos. A senadora Elizabeth Warren novamente trouxe à tona acusações que pesam contra o bilionário e sua empresa de assédio e discriminação de gênero contra mulheres. O ex-prefeito, mais uma vez, minimizou a importância das acusações feitas pelas ex-funcionárias ao dizer que foram baseadas em “um comentário ou dois” feitos por ele. Cobrado, ele liberou três mulheres que fizeram as acusações dos acordos de confidencialidade assinados – mas elas são apenas uma parte dos casos existentes.

Repetindo o script do debate anterior, a senadora foi uma das protagonistas da noite ao trazer a carga mais pesada sobre Bloomberg. Além de retomar o tema das acusações feitas por mulheres, Elizabeth Warren afirmou que o bilionário financiou campanhas de republicanos, como a da senadora Lindsey Graham, na Carolina do Sul, onde aconteceu o debate, e o de Scott Brown, em Massachusetts, quem Warren derrotou em 2012.

Sem as credenciais típicas do partido democrata e tendo sido eleito como republicano, restou a Bloomberg fincar o pé no discurso de sua competência como ex-prefeito de Nova York. O bilionário injetou cerca de US$ 400 milhões em propaganda eleitoral, entrou atrasado na disputa presidencial e não participou das prévias realizadas até agora e também não participará das primárias feitas na Carolina do Sul. O primeiro teste do nome de Bloomberg nas urnas acontecerá na Super Terça.

A CBS, rede de televisão que organizou e transmitiu o debate de ontem, perguntou aos eleitores que assistiram qual candidato mais os impressionou após o debate. O cenário é dividido entre Sanders e Biden, que tiveram 45% e 43% das respostas a seu favor. Na sequência vêm Warren (40%), Buttigieg (38%) e Klobuchar (31%). Michael Bloomberg impressionou 25% dos espectadores – à frente apenas de Tom Steyer, outro bilionário, que tem aparecido com 2% das intenções de voto.

Ontem foi provavelmente a última vez que parte dos sete candidatos se apresentou ao público, já que a continuidade na corrida eleitoral depende do sucesso nas próximas primárias. Nomes como o de Amy Klobuchar e mesmo Elizabeth Warren são vistos como figuras que devem pular fora da disputa eleitoral no mês de março.

O ex-vice-presidente Joe Biden também tem a campanha pendurada à espera dos próximos resultados. Ele aposta todas as suas fichas na Carolina do Sul, Estado que realiza primárias no sábado e onde foi feito o debate. Metade do eleitorado democrata no Estado é negro e Biden é o nome preferido dessa parcela do eleitorado. No debate, ele fez uma série de acenos aos negros, como a promessa de indicar uma mulher negra para a Suprema Corte dos EUA.

As pesquisas de intenção de voto mostravam o democrata com ampla margem sobre os demais no Estado e, especialmente, sobre Pete Buttigieg, que teve uma boa largada em Iowa e tenta se credenciar como o nome da ala moderada do partido democrata. Biden luta para mostrar, na Carolina do Sul, que o é o escolhido do espectro centrista e rivalizar com Bernie Sanders até a convenção partidária. O ex-vice-presidente herda o legado da gestão Obama e a simpatia dos eleitores negros, apesar de não ter recebido um endosso público do ex-presidente até agora.

Buttigieg é o pior pontuado entre o eleitorado negro. Nesta terça, durante perguntas sobre preconceito racial, ele disse estar consciente de que “há sete pessoas brancas nesse palco” para discutir o assunto. “Eu venho aqui com humildade porque nenhum de nós tem a experiência, por exemplo, de andar em uma rua ou um shopping e sentir os olhos nos monitorando, como se fôssemos perigosos só por nossa cor da pele”, afirmou o ex-prefeito de South Bend, Indiana.

Buttigieg tem sido um dos que vocaliza a crítica à coalizão de Bernie Sanders, ao sugerir que o senador polariza a disputa. Apesar de ter largado bem em Iowa e New Hampshire, Buttigieg viu em Nevada sua limitação em um eleitorado menos branco e mais diverso. Para conseguir a nomeação do partido, ele precisaria mostrar que é capaz de levar consigo o apoio de latinos e negros, o que não tem acontecido até agora.

No arsenal contra Sanders, Biden criticou o fato de o senador ter votado em 2005 por uma lei que protege as empresas de armas de processos judiciais, quando os produtos são usados em crimes. A legislação aprovada no Congresso foi assinada pelo então presidente, George W. Bush, com apoio da NRA, a Associação Nacional do Rifle. O senador também já votou, em 1993, contra uma lei nacional que estabelecia mecanismos de controle sobre quem pode possuir arma – o que nos EUA é chamado de “background checks”.

Ontem, no palco, Sanders afirmou que “maus votos” acontecem. O histórico já foi usado contra o senador em 2016 e, desde então, Sanders passou a apoiar ostensivamente dentro e fora do Congresso uma plataforma de mais controle no acesso a armas.

Temas de política externa têm passado ao largo nesta campanha eleitoral, mas tiveram destaque no último bloco do debate. Bernie Sanders chamou Binyamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel e aliado dos EUA, de um “reacionário racista” e Biden disse que Trump dá legitimidade a Kim Jong-un ao negociar com o ditador norte-coreano.

Sanders foi criticado por ter saudado o programa de alfabetização de Cuba e rebateu dizendo que repetia palavras de Barack Obama. Simultaneamente, sua equipe publicou no Twitter um vídeo no qual o Obama afirma ter elogiado diretamente a Fidel Castro o progresso educacional em Cuba.

Bloomberg se recusou a classificar Xi Jinping, da China, como um ditador ao dizer que ele “responde ao Politburo”, e foi duramente criticado por Sanders e Biden. O ex-vice-presidente falou sobre a perseguição e repressão de uigures na China e Sanders rebateu o argumento sobre o Politburo do Partido Comunista Chinês: “Quem controla o Politburo? Quem elege o Politburo? Você tem uma ditadura lá”.

A fratura entre alas moderada e progressista do partido foi oficializada nas prévias de Iowa, no início do mês. O cerco ao nome de Sanders no debate desta terça dá sinal de que os democratas ainda estão distantes de uma sonhada unidade vista como necessária para enfrentar a dura disputa contra Trump.

Autor: Beatriz Bulla, correspondente
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