Geral

O Novo Testamento pode mudar a maneira como pensamos cristianismo e homossexualidade?

03/08/2017
O Novo Testamento pode mudar a maneira como pensamos cristianismo e homossexualidade?

As ruína preservadas da cidade de Pompeia são um tesouro para quem está interessado em saber mais sobre o Império Romano. E um líder cristão britânico está convencido de que Pompeia oferece lições importantes para os cristãos – particularmente aqueles que querem usar a Bíblia para perseguir os homossexuais.

Steve Chalke é um importante líder evangélico do Reino Unido. Em um vídeo da Oasis Open Church Network, organização que defende a inclusão da população LGBTQ que é liderada por Chalke, ele fala sobre a importância de entender o contexto em que a Bíblia foi escrita.

“Há 500 anos, Martino Lutero e Calvino não tinham as ferramentas que temos hoje para nos ajudar a entender contextualmente as escrituras. Avançamos muito graças à descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, às descobertas arqueológicas na região de Pompeia, e demos vários outros saltos adiante em termos culturais e linguísticos”, disse Chalke ao The Huffington Post. “Temos de usá-los, e acredito que, assim, nossos entendimentos passados não se aplicam mais.”

OPEN CHURCH NETWORK / VIMEO
Chalke é um líder cristão do Reino Unido.

Há seis passagem na Bíblia que se fazem algum tipo de referência a comportamentos do mesmo sexo. Os versos costumam ser mencionados pelos cristão progressistas como “passagens de ataque” porque são usados para rejeitar, degradar e atacar cristãos homossexuais.

Três das passagens estão no Novo Testamento, nos livros de Romanos, 1 Corinthians e 1 Timóteo. Outra passagem a que se referem os cristãos conservadores é Mateus 19, na qual Jesus fala sobre o divórcio. São estes os versículos que Chalke usa para defender o homossexualidade entre os cristãos.

MARIO LAPORTA VIA GETTY IMAGES
Foto de 2006 de um afresco erótico de Pompeia. Restauradores recuperaram o que seria o mais popular bordel no complexo arqueológico da antiga cidade romana de Pompeia.

Chalke explica que Paulo escreveu numa época em que era perfeitamente aceitável que pessoas das classes sociais mais baixas – escravos, prostitutas, gladiadores e refugiados – fossem exploradas e abusadas sexualmente pelos cidadãos romanos ricos e poderosos.

O pastor britânico afirma que era normal e até mesmo esperado que os homens romanos tivessem “brinquedos” sexuais além de suas mulheres. Isso significava transar com concubinas e meninos. Algumas mulheres romanas também usavam pessoas de classes inferiores para obter prazer sexual, diz Chalke. Mas uma coisa que os romanos não podiam fazer era abusar de outro cidadão romano.

“Os meninos romanos eram protegidos, ao contrário dos meninos escravizados. Para um homem romano, o sexo era parte legítima da vida, mas você tinha de transar com alguém inferior e tinha de penetrá-lo, não era permitido ser penetrado”, afirma Chalke em sua palestra.

REUTERS PHOTOGRAPHER / REUTERS
Afresco erótico de um banho público de Pompeia recém-restaurado, 14 de novembro de 200

Para ilustrar o período em que essas palavras foram escritas, Chalke menciona 24 de agosto de 79 A.C., dia em que os historiadores acreditam ter ocorrido a erupção vulcânica do Monte Vesúvio que soterrou Pompeia sob mais de 6 metros de cinzas vulcânicas. Foi mais ou menos nessa época que os evangélicos acreditam que o apóstolo Paulo escreveu as cartas que viriam a formar parte significativa do Novo Testamento.

Muito da arte recuperada em Pompeia e outras cidades próximas é sexualmente explícita. Há cenas de ménages a trois e várias posições sexuais. Quando escavações começaram, no século 19, o Rei Francisco 1º das Duas Sicílias ficou tão chocado com a natureza sexual das obras de arte no Museu Nacional de Arqueologia de Nápoles, que ordenou que tudo fosse guardado longe da vista dos visitantes.

HO NEW / REUTERS
Afresco erótico de um banho público de Pompeia recém-restaurado, 14 de novembro de 2001

Chalke diz que é importante ter esse contexto em mente ao olhar para as “passagens de ataque” do Novo Testamento. Para ele, a arte erótica de Pompeia é sinal de que a sociedade romana estava “inundada” em sexo. As classes superiores da época usavam o sexo de uma maneira que ignorava a humanidade daqueles que as serviam.

Era contra esse tipo de exploração que Paulo e outros autores do Novo Testamento se manifestavam nas escrituras, acredita Chalke. As referências em 1 Timóteo e 1 Coríntios a homens que transam com outros homens são parte de uma lista maior de exploradores – assassinos, negociantes de escravos, mentirosos, ladrões, gananciosos, difamadores, estelionatários. Chalke acredita que Paulo esteja alertando a nascente Igreja para os relacionamentos humanos baseados em exploração, abuso e corrupção.

Por outro lado, diz ele, o Novo Testamento não tem nada a dizer sobre o amor genuíno e cheio de compaixão entre pessoas do mesmo gênero, como entendido nos dias de hoje.

“As pessoas de quem Paulo estava falando, ele disse que elas tinham abandonado Deus, são mentirosas e enganadoras”, disse Chalke ao The Huffington Post. “De quem quer que ele estivesse falando, não pode ser dos maravilhosos casais do mesmo sexo que estão na nossa igreja, do homem gay ou da mulher transgênero que conheço. Simplesmente não pode ser deles [que Paulo está falando].”

Chalke declarou em 2013 seu apoio a relacionamentos monogâmicos de pessoas do mesmo sexo. Desde então, ele tem falado muito sobre os “danos espirituais, mentais e físicos” que a população LGBTQ enfrenta por causa da discriminação por parte dos cristãos. E ele defende que a igreja acolha os gays cristãos – apesar de ter sofrido rejeição por parte de evangélicos conservadores por causa dessa posição.

Chalke é ministro-sênior da Oasis Church Waterloo, que ele diz ser a casa espiritual de vários cristãos LGBTQ. A ideia do vídeo veio de um sermão que ele fez este ano em sua igreja.

Chalke disse ao The Huffington Post que, embora a tradição seja importante, “o entendimento tradicional a respeito de algo nem sempre é o correto”. Assim como a Igreja teve de ajustar seus ensinamentos às descobertas científicas de Galileu e Copérnico, ele afirma que é crucial que os cristão usem recursos modernos para examinar essas “passagens de ataque”.

“Nosso mau entendimento do Novo Testamento causou sofrimento, perseguição, opressão e rejeição para centenas de milhares, milhões de pessoas LGBTQ”, diz Chalke. “É hora de pedir desculpas pelos erros que cometemos.”