Variedades

Deneuve não perde o brilho aos 76 e domina ‘Claire Darling’

10/08/2019

Atrizes de 50 anos (ou mais) queixam-se com frequência de que não existem bons papéis para elas, nessa de blockbusters, de super-heróis e comédias infantilizadas. Mas existem exceções, e Catherine Deneuve é a mais gloriosa delas. Alçada à condição de mito nos anos 1960, não para, mais de 50 anos depois. Estrelou cinco filmes em 2017, três em 2018, filma um e tem outros dois já prontos em 2019.

Em Berlim, em fevereiro, estreou LAdieu a la Nuit, de um de seus diretores preferidos, André Téchiné. O filme aborda a radicalização islâmica, e Deneuve faz uma avó que tenta impedir que o neto se una a jihadistas na Síria. Na coletiva, na Berlinale, disse que conseguia entender a tragédia da personagem. “É uma coisa shakespeariana. Eu também me preocuparia com o que fazer, como agir numa situação dessas. To do or not to do.”

Catherine Fabienne Deneuve – a gente até se esquece de que ela tem esse nome do meio – pode ser vista nos cinemas da cidade no filme de Julie Bertucelli, A Última Loucura de Claire Darling. O começo é muito parecido com o de As Rainhas da Torcida, a comédia com Diane Keaton, também em cartaz, mas logo os dois filmes tomam caminhos distintos. Claire acorda nesse dia de verão com o pressentimento de que será o último – vai morrer. Desfaz-se, rapidamente, de todos os seus objetos, que coloca à venda. A vida inteira foi colecionadora. Reuniu as peças valiosas, que agora liquida. Com cada uma delas, viaja um pouco no tempo, pois parece estar perdendo sua alma. Chega a filha, Marie, interpretada pela filha de Deneuve (e Marcello Mastroianni), Chiara Mastroianni. O choque é inevitável. Catherine completa 76 anos em outubro, Chiara tem 47. Quando se iniciou – com a mãe, curiosamente num filme de Téchiné, Minha Estação Preferida, para o qual foi indicada para o César de melhor revelação -, não prometia muito. Com o tempo, tornou-se uma verdadeira atriz dramática. A própria Deneuve concordou com o repórter, numa entrevista realizada há três anos. “Ela desenvolveu uma energia interior muito forte. Admiro que tenha encontrado seu caminho. Não é fácil ser filha de duas personalidades públicas, como Marcello e eu. As pessoas colocavam muita expectativa nela, cobravam demais.”

A própria Julie Bertucelli é filha de cineasta, Jean-Louis. É também viúva de um renomado fotógrafo, Christophe Pollock. Bertucelli pai realizou um filme clássico – Remparts dArgile, em 1969 (há 50 anos). Colheu outro belo triunfo com Docteur Françoise Galliand, de 1975, beneficiado pela interpretação de Annie Girardot, que recebeu os principais prêmios do ano. E, em Um Dia para Não Esquecer, de 1991, sua homenagem à grande comédia italiana, ajudava muito ter Giulietta Masina como protagonista. Julie também achou seu caminho, desvencilhando-se da sombra do pai, mas ficou o gosto por temas ligados à família. Claire Darling é sobre mãe e filha. A Árvore, de 2010, também. Charlotte Gainsbourg faz essa mãe cuja filha acredita que o espírito do pai se comunica com ela por meio da figueira que ele plantou no jardim da casa. A menina vai fazer de tudo para preservar a árvore. De certa forma, o tema permanece em Claire Darling. Marie/Chiara queixa-se de que a mãe está praticamente doando os antigos móveis dos quais o pai e o avô gostavam tanto. Mas, na verdade, a questão ultrapassa bens materiais. Mãe e filha afastaram-se durante muito tempo, por décadas. Claire diz que esse será seu último dia e não se comove com a intervenção da filha, chamada por uma amiga. A própria Marie hesita em voltar. Velhos ressentimentos gelam as duas.

Julie conta sua história utilizando (muitos) planos-sequência. A casa e o jardim são personagens, a câmera move-se com delicadeza, a cor é suave. Nesse quadro, destaca-se o trabalho das atrizes. O roteiro não se preocupa em preencher lacunas que podem ser creditadas à doença de Claire, ao seu envelhecimento. Para a filha, a mãe está agindo com irresponsabilidade. Claire esquece-se de coisas. Isso produz momentos de tensão, exasperação. Mãe e filha expressam sentimentos conflitivos – raiva, dor -, mas insinuam-se também a tristeza, a saudade, o afeto. São talvez os momentos mais belos e intensos de Claire Darling. Apesar de tudo, os laços de sangue contam. Essas mulheres têm uma história comum. Deneuve, que já foi a Bela da Tarde, não se vexa de expressar a decrepitude. Foi o que disse Téchiné, em Berlim – “Você pode lhe propor não importa o quê. Ao aceitar o papel, ela se disponibiliza. Vai fundo e faz melhor as coisas que, por respeito, a gente poderia ter vergonha de lhe pedir.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Luiz Carlos Merten
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