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Boris Fausto reconta três assassinatos que abalaram SP no início do século 20

23/03/2019

Absolvida depois de cinco julgamentos, mesmo sendo ré confessa, a jovem Albertina Barbosa, que assassinou um rapaz para vingar “a honra ultrajada”, não se tornou apenas a heroína da cobertura da imprensa paulista naquele ano de 1909: ela discutiu publicamente seu caso e das mulheres vítimas de sedutores a ponto de se oferecer para contribuir em uma eventual reforma do Código Penal para punir esses infratores com penas mais longas. “Albertina revelou ser uma mulher à frente de seu tempo”, comenta o historiador Boris Fausto, que narra em detalhes esse caso policial em O Crime da Galeria de Cristal (Companhia das Letras).

O livro tem como subtítulo …E Dois Crimes da Mala, tratando de dois eventos semelhantes, mas ocorridos em épocas distintas, ambos de grande repercussão: o primeiro em 1908, quando o comerciante Michel Trad assassinou seu sócio Elias Farah, que teria tido um caso com sua mulher, e ocultou o corpo em uma mala – Trad foi descoberto quando tentava jogar a mala de um navio; e o segundo vinte anos depois, quando o imigrante italiano Giuseppe Pistone matou a esposa, Maria Fea, que denunciou a intenção do marido de extorquir um primo – ela a sufocou com um travesseiro e, sem saber o que fazer com o cadáver, decide guardá-lo em uma mala, cortando os joelhos e quebrando o pescoço para que o corpo ali coubesse. Só não contava que, ao tentar enviá-la para a França, a mala sofresse um impacto, que abriu uma fresta e revelou um forte mau cheiro.

Três histórias que ainda hoje provocam um fascínio no leitor, especialmente pela narrativa precisa, detalhista e elegante de Fausto, que já enveredara pelo texto policial em O Crime do Restaurante Chinês, sobre um assassinato ocorrido em 1938. Mas, historiador respeitável, Fausto se aproveita dos fatos para trazer, sem pedantismo, uma análise sociológica da rápida evolução da cidade de São Paulo que, quinta maior cidade do País no início dos anos 1900, tornou-se a segunda, na década de 1950.

“Com a chegada dos imigrantes, a sociedade tornou-se mais cosmopolita, o que permite constatar algumas profundas transformações”, observa Fausto. “Há o papel relevante desempenhado pelas mulheres naquele momento, também o papel da imprensa que tanto refletia a opinião pública como ajudava a formá-la, e ainda a presença de estrangeiros no cotidiano paulista.”

Nesse sentido, o crime da Galeria de Cristal, que era o nome popular de um edifício que unia as ruas XV de Novembro e Boa Vista, foi o que mais atraiu o historiador. “A maioria dos jornais apostou em sua inocência desde o início dos julgamentos”, conta Fausto. “Por conta disso, era comum ter a descrição dos diálogos e da reação dos envolvidos, o que facilita hoje ter uma noção muito boa de como foi cada sessão.” Ele acredita que o perfil psicológico de Albertina Barbosa, que misturou, de uma certa forma, os papéis masculino e feminino ao tomar uma posição de liderança na condução de sua defesa, atraiu a simpatia, e até mesmo o apoio, de quase toda a imprensa, a ponto de se atribuir a ela a qualificação de heroína.

“Entre os grandes delitos dos primeiros anos do século 20, o crime da Galeria de Cristal é o que mais se aproxima do gênero folhetim”, aponta Boris Fausto que, na introdução do livro, apresenta um interessante panorama da imprensa nacional – em especial, a paulistana -, notadamente aquela que se dedicou ao noticiário sensacionalista, um gênero cujo interesse do leitor crescia na mesma proporção em que aumentava a população.

Era a consagração do ‘fait diver’, expressão francesa que literalmente significa “fatos diversos” mas que, no noticiário, se traduzia pelas matérias que se fechavam em si mesmas, ou seja, que traziam todas as informações necessárias para seu entendimento. “Os fait divers são a epopeia do insignificante”, escreve ele, apontando como características a valorização do privado, a fascinação pelo segredo, a busca do íntimo e o gosto pela autobiografia, pelo detalhe, pelo triunfo do sujeito.

O CRIME DA GALERIA DE CRISTAL
Autor: Boris Fausto
Editora: Companhia das Letras (272 págs., R$ 64,90)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Ubiratan Brasil
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