Artigos

Depois do Milagre

17/02/2019
Depois do Milagre

Ao chegar à Palmeira o Coronel Astrogildo Pacheco, apeou do alazão, entrou num bar, pediu cachaça para ele e os dois jagunços. Tião, um puxa saco, se achegou e fuxicou no seu ouvido: um poeta de cordel estava com Gigi dentro da casa. Astrogildo explodiu de raiva, levantou-se, conferiu as balas nos dois revólveres e tomou rumo à casa da rapariga. O povaréu ao pensar no que aconteceria, acompanhou o Coronel, queria ver sangue. Um amigo correu pelo lado, conseguiu avisar ao casal deitado na esteira. Doquinha, mais que depressa, deixou as roupas no chão, e nu, de sapatos desabotoados, disparou pelo quintal em zig-zag como havia aprendido no Exército, ouvindo as balas zunirem perto da cabeça. Conseguiu escafeder-se na Mata da Cafurna. O Coronel descarregou os dois revólveres no malandro.  Mandou os capangas buscarem o corpo do atrevido. O Coronel Astrogildo, roxo de raiva, repetia que não nasceu para ser chifrudo. Os capangas entraram na mata em busca do corpo. O Coronel era o melhor atirador do sertão, jamais erraria 12 balas em um miserável. Gigi continuou chorando, encolhida na parede da sala. O Coronel gritou.

-Menina sem juízo! Atrevida! Botar um homem dentro de casa. Coronel Astrogildo não é homem de levar galha!

– Não foi galha não, meu coronelzinho. O Doquinha é meu primo, estava na feira, pediu só para tomar banho, ele é da família. – Disse Gigi, chorando.

– E essas calças, camisas, aqui no chão? Você pensa que sou besta?

– Ele estava no banheiro quando ouviu que o senhor vinha matá-lo, jogou a roupa no chão e correu feito uma moléstia para o meio da mata. Deve estar morto. Mas não me mate, meu coronelzinho, eu gosto tanto do senhor.

Astrogildo olhou para Gigi sentava no chão, com as pernas entreabertas, deu-lhe uma vontade de agarrá-la, deitar na esteira por cima dela. Ordenou-lhe.

– Vá tomar um banho e me espere no quarto. Vou esperar o defunto. Já deve estar conversando com o satanás no Inferno. Ninguém bota chifre no Coronel Astrogildo.

– Foi chifre não, meu coronel. – Disse Gigi entrando no banheiro.

Uma hora depois os jagunços chegaram, não conseguiram achar o infeliz, noite escura.  No dia seguinte eles achariam o corpo do cabra safado.

– Vão dormir na pensão, assim que o sol despertar tragam o defunto e coloquem na rua. – Ordenou o Coronel, entrando no quarto.  

Gigi estava deitada, nua. O Coronel quando avistou aquela maravilha, caiu por cima. Esqueceu o defunto e o chifre.

Doquinha, enquanto corria, ouviu os 12 tiros zunirem rente a seu rosto. O Coronel era a melhor pontaria do sertão, não acertou um tiro. Um Milagre. O poeta conseguiu entrar mata adentro, nu, apenas de sapatos. Olhou ao longe percebeu quando os jagunços se aproximavam. Teve sorte, encontrou um buraco na mata onde se acomodou, acocorado. Puxou palhas, gravetos, cipós, folhas, encobriu o esconderijo. Ele ouviu os dois cabras passarem de um lado para o outro procurando o defunto. Quando os jagunços retornaram à casa, deu um alívio em Doquinha. Levantou-se do esconderijo, devagar, caminhou toda noite. No Exército aprendeu andar à noite guiado pelas estrelas. Quando o dia amanheceu, Doquinha, extenuado, deitou-se embaixo de uma frondosa mangueira. Acordou-se por volta do meio dia com três pontas de lanças em seu pescoço. Eram três índios daquela região sorrindo ao ver aquele homem deitado, nu, de sapatos. Levaram Doquinha para a aldeia; deram-lhe bermuda, comida e bebida. Logo conquistou todos os índios. Tomou cachaça e contou aventuras de reis e rainhas.  Era um craque na contação de história, inventava na hora. Tornou-se o queridinho da aldeia, jogava futebol e engraçou-se de Tairã, uma índia. Toda noite faziam amor à beira de um riacho. Viveu como fosse índio durante três meses. Certo dia contou sua história ao Pajé. Doquinha tinha duas mulheres, uma em Garanhuns outra em Piranhas, precisava visitá-las e trabalhar. Escrever e vender versos de cordel na feira. Era sua profissão, o sustento das famílias. Numa manhãzinha, de calça e camisa, algum dinheiro emprestado, Doquinha pegou um ônibus para Piranhas. Prometeu voltar, tinha obrigações com o filho que estava no bucho de Tairã. Só não podia passar em Palmeira.