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O Quatipuru

17/12/2018
O Quatipuru

Vi pela primeira vez um quatipuru numa aldeia de índio quando comandava a 9ª Companhia de Fronteira, Roraima. O bicho parece um esquilo pequeno. Existe uma crendice, uma lenda corre pela Amazônia, que ter o rabo de quatipuru pendurado no pescoço, dá sorte. Muita gente cria como animal de estimação, depois vende o rabo, é o amuleto mais usado na região.

Na 9ª Companhia de Fronteira tornei-me amigo do Sargento Perna, descendente de índios Ianomâmis, troncudo, pardo, perspicaz, ladino e muito alegre. Tinha duas manias: jogar futebol e mulher. Metido a conquistador.

O sargento Perna me dizia que estava passando uma péssima fase de urucubaca, tinham lhe colocado mal olhado ou ele havia pisado em rastro de corno. Andava num azar ! Um amigo, pajé de uma tribo, aconselhou-o a usar um rabo de quatipuru num colar para sair dessa má sorte. Perna aproveitou a ocasião para contar sua história azarenta:

– “Tenente, o senhor acredite que minha mulher, Laura, veio do Pará passar alguns dias comigo, meus filhos ficaram no colégio em Belém. Aqui em Boa vista para passar o tempo e combater a solidão, eu tive casos amorosos com algumas mulheres da cidade. O problema é que arranjei uma lavadeira, belezura de morena, pele limpa, rosto bonito arredondado, jovem mulher que nem a índia Iracema. Quando a cunhatã vai a minha casa aos sábados e se abaixa colocando a trouxa de roupas na cama, eu chego por trás, abraço, e a gente começa o serviço. Sábado passado ela apareceu de vestido transparente, sem nada por baixo, o pano fino dava para ver tudo, fiquei doidinho. Minha mulher tinha ido fazer compras, não voltaria tão cedo. Não resisti me atravanquei com a moleca. De repente ouvi o grito de Laura: “O que é isso Perna”?” Eu só pude responder: “É muito azar!”.  Ela havia esquecido a bolsa e voltou para casa inesperadamente. No outro dia arrumou as malas, pegou o avião para Belém, sem conversar comigo. Viu que azar, meu chefe?

Ainda por cima, não fui bem nos exames físicos para entrar na tropa de Suez. Perdi de servir no exterior na tropa de paz da ONU, também por azar.

Um pajé amigo receitou rabo de quatipuru para essa desdita, mas aqui por essas bandas de Roraima é difícil. Há dias que procuro e não encontro um rabo de quatipuru para vender”.

Fiz ver ao Sargento Perna que não se deve dar crédito à crendice; insisti que fosse à minha casa tomar uma Polar ou um uísque White Label as bebidas de maior consumo em Boa Vista, para continuar a conversa.

Dias depois um avião da FAB aterrissou em Boa Vista. O sargento Perna pediu uma semana para desconto em férias, pegava uma carona naquele avião para Belém, tentaria fazer as pazes com a esposa. Viajei também naquele DC 3, fui resolver problemas do quartel em Manaus.

Quando o avião decolou o Sargento Perna me apontou para uma vistosa mulher no banco lateral levava numa gaiola um animal parecido com esquilo:

– “É um quatipuru !” Disse-me Perna.

Ele olhava obcecado pelo bichinho enquanto sobrevoava a selva amazônica. Certa hora o avião entrou numa nuvem baixa, densa de chuva, a carcaça tremeu, os viajantes soltaram gritos de susto e de medo. Houve uma queda de altura, os pacotes bateram no teto, muitos gritos. Eu fiquei apavorado, mas meu companheiro de viagem, Sargento Perna, continuava vidrado, como se estivesse hipnotizado, não tirava o olho do quatipuru.

Até que avião estabilizou.  A madame da gaiola começou a chorar, teve um ataque de nervos, falava alto, sem controle.

– “Vou morrer, ai vou morrer e meu quatipuruzinho também vai morrer”.

Mais preocupada com o bicho que dela própria, chorava:

– “Meu quatipuru vai morrer, levou um corte na cabeça, está sangrando. O bichinho vai morrer!”

Nesse momento, o Sargento Perna levantou-se, dirigiu-se à madame gostosa, perguntando alto e bom tom:

– “Se ele morrer, a senhora me dá o rabo?”

Foi mal interpretado, todos passageiros olharam o Perna com olhar de reprovação. A mulher não se conteve, fuzilando-o com indignação:

– “Me respeite ouviu? O senhor é autoridade, mas exijo respeito. Sou mulher séria, honesta!!!!”

Nosso herói percebendo o mal entendido retificou falando baixo:

– “O rabo do quatipuru, eu quero é o rabo do quatipuru!!!!!”

O avião já sobrevoava o Rio Negro, em poucos minutos pousou no aeroporto de Manaus. Ao chegar a Belém o sargento Perna ao mercado “Ver o Peso”, onde se vende de tudo. Conseguiu seu amuleto finalmente, um rabo de quatipuru. Em casa fez as pazes com a esposa. Voltou para Boa Vista, tornou-se o maior conquistador das mulheres da cidade. Não tirava o amuleto no pescoço, nem para tomar banho, é sorte certa. Gabava-se de seu desempenho sexual, acreditando ser também obra do rabo do quatipuru.