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A inspiração cutucada com vara curta

15/09/2018
A  inspiração cutucada com vara curta

Dias atrás fui questionado, por um bom amigo, sobre como fazia, para ter tantas ideias, posteriormente transformadas em textos. Lembro que respondi simplesmente: pensando constantemente nelas. Realmente, isto acontece, na prática, pois, até os temas inesperados, só se apresentam, porque estamos sempre à espera deles.
Existem, porém, situações em que tudo fica mais fácil, e tal fato ocorre quando estamos ungidos pela inspiração. Uma música ou uma musa, local ou paisagem, algo ou alguém.

Qualquer coisa que venha a conspirar, para encontrarmos o momento certo de transformar as ideias em algo concreto.
Em minha juventude, com facilidade, li todos os trabalhos editados por Agatha Christie. Encantava-me a forma como habilmente descrevia lugares, pessoas e situações que somente o seu inigualável “Hercule Poirot” seria capaz de literalmente desnudar.

Dias atrás estive na cidade de Assuan no sul do Egito e, para minha surpresa, ao realizar o check in no hotel, fiquei sabendo que na outra margem do rio, a adorável escritora, há quase cem anos, ali residiu por alguns meses, tempo suficiente para conceber o inigualável trabalho denominado “Morte no Nilo”.

Foi então que, em um final de tarde, sentado num local privilegiado da ilha na qual está construído o complexo de chalés e bangalôs, onde me hospedava, olhando o entorno, que, tempos atrás, a English Lady também vislumbrou, cheguei até mesmo a pensar como fora fácil escrever aquela história, vez que, o ambiente, por si próprio, é tão místico quanto misterioso, tão belo quanto adorável, fazendo florescer ideias as mais variadas possíveis.
O Rio Nilo era o grande responsável por tudo. As felucas, com suas imensas velas brancas, ziguezagueavam suas águas escuras, desviando as rochas imensas ali existentes, oferecendo um ar de grandeza ao ambiente, ao tempo em que o sol se avistava com a lua, um despedindo-se, outro chegando, os pássaros voavam em revoada, enquanto, no topo de uma colina rochosa, ao longe, se podiam ver ruínas milenares, restos de uma civilização que se dedicara ao culto dos mortos. Um pouco mais distante, um rebanho de ovelhas vigiadas de perto pelo pastor beduíno, tudo isto acalentado pelo som, vindo de uma mesquita próxima, convocando os fieis para orar por Alah.
Mais adiante, uma embarcação que trazia, sobre sua parte mais alta, um homem solitário, olhando o infinito, enquanto fumava o narquilê e parecia anestesiado com as cores dos peixes e o perfume das flores, tudo isto sob a fiel vigília, do deserto do Saara, teimando em “arder”, a pouco mais de mil metros do local e das seculares “oliveiras” que pelo diâmetro de seus troncos, podem sim, ter ornamentado as paisagens vistas em outras épocas, por Cleópatra, Ramsés e Tutmés, alguns dos vibrantes Faraós do Egito.
Naquele momento, não tive duvidas para me convencer: ali, com uma caneta e um papel, um ser humano, poderia escrever maravilhas, pois a inspiração parecia me cutucar com vara curta, enchendo meu coração de felicidade.
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