Política

Boulos deverá revisar Minha Casa, Minha Vida, diz economista

07/08/2018

O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, criado nas gestões do PT, deverá ser revisado em um eventual governo de Guilherme Boulos (PSOL), explicou o economista Marco Antonio Rocha, coordenador do programa econômico da campanha, durante debate realizado nesta terça-feira, 7, pelo Grupo Estado, em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

“Reconhecemos a importância do programa no resgate da dignidade das famílias, mas o programa gerou problemas à economia”, declarou Rocha. “A ampliação discriminada do programa provocou especulação imobiliária e vai contra o objetivo inicial, que é garantir o acesso a moradia própria”, afirmou o economista.

Bancos públicos

Professor da Unicamp, Marco Antonio Rocha defendeu o uso dos bancos públicos como indutor da recuperação econômica. “Entendo que momento é mais favorável ao uso de bancos públicos, uma vez que há a necessidade de o Estado voltar a investir para alcançarmos a recuperação econômica”, afirmou.

Sobre o uso específico do BNDES, Rocha disse que “foi um certo exagero” Boulos ter falado, na semana passada a empresários no Rio de Janeiro, que iria usar o banco exclusivamente para pequenas e médias empresas.

“O que nós queremos é diversificar as linhas de financiamento do BNDES para pequenas e médias empresas”, explicou. “A gente entende que o BNDES é um instrumento fundamental para impulsionar o crescimento econômico e a produtividade da economia brasileira.”

Ele afirmou ainda que o BNDES pode focar no investimento de empresas de alta tecnologia. “O BNDES tem uma certa cara de segunda revolução industrial, voltado para indústria. Precisamos mudar o paradigma tecnológico, focar o BNDES na indústria 4.0”, disse.

Sobre a questão da infraestrutura, o economista que assessora o PSOL defendeu ainda ampliar o investimento para reduzir o déficit nessa área.

Banco Central

O papel do Banco Central, em uma eventual presidência de Guilherme Boulos, será não apenas trabalhar para controlar a inflação, afirmou o coordenador do programa econômico da campanha do PSOL. “O BC deve ter mandato duplo na nossa gestão: controlar a inflação e também responder pelo emprego”, disse.

O economista criticou as regras para indicação do presidente da autoridade monetária. “Atualmente, acontece no Brasil o que chamamos de ‘porta giratória’, ou seja, o executivo sai de um grande banco e já vai para o BC. Acreditamos que, assim como é preciso passar pela sabatina no Congresso, é necessário impor uma quarentena”, comentou Rocha.

Mercado futuro de câmbio

Marco Antonio Rocha sugeriu o controle do mercado de câmbio por meio da regulamentação do segmento futuro. “A volatilidade do dólar é extremamente prejudicial à economia e nós acreditamos que a causa dela é a ação do mercado futuro de câmbio”, afirmou. “Mudanças abruptas no câmbio provocam desequilíbrios nas empresas, e é isto que queremos combater.”

Sem explicitar que outras medidas o programa do PSOL planeja lançar mão na questão cambial, o economista e professor da Unicamp ressaltou que não pretende usar reservas cambiais do Banco Central. “As reservas atuais estão em bom nível”, afirmou.

Previdência

O coordenador do programa econômico do candidato Guilherme Boulos defendeu a manutenção do regime de repartição da Previdência Social brasileira. Na avaliação de Rocha, o regime de capitalização, proposto por outras candidaturas, pode sofrer em momentos de crise.

“É complicado para nós adotarmos esse porque nossa história recente mostra que em 20, 30 anos temos grave crise, que pode impactar esta capitalização”, afirmou ele.

Para Rocha, a Previdência Social tem papel fundamental na estruturação da economia. “Na minha visão, em cidades do interior e famílias lideradas por idosos a crise atual foi menor por causa da Previdência Social”, disse.

Rocha ponderou, no entanto, a necessidade de se rever a Previdência de Estados e algumas categorias. “Tudo isso só deve ser considerado pelo presidente a ser eleito”, afirmou.

Renúncia fiscal

A ampla adoção de medidas de renúncia fiscal como maneira de combater a crise econômica, verificada ao longo das gestões do PT e de Michel Temer, foi criticada pelo economista Marco Antonio Rocha. “Não será política de renúncia fiscal que dará resultados. Precisamos revisar os gastos tributários. A atual política tributária aumenta a desigualdade”, afirmou.

“Se perdeu a mão em termos de renúncia fiscal nos últimos anos. Temos espaço para recuperar recursos sem mexer na zona franca e isenções ligadas a questões sociais”, diz Rocha. “Pelos nossos cálculos, é possível recuperar quase 1 ponto porcentual do PIB revisando e corrigindo distorções tributárias”, avalia o economista.

A política tributária para pessoas físicas também deverá sofrer alterações, em caso de vitória do PSOL no pleito eleitoral, comentou Rocha. “Precisamos de um imposto mais progressivo no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Podemos ter mais 2 p.p. do PIB com alterações”, disse, confirmando que seria criada ao menos mais uma faixa de alíquota tributária além do atual teto de 27,5%. A tributação de grandes fortunas é outro ponto proposto pela campanha, ao mesmo tempo em que seria feita uma migração da tributação sobre consumo para imposto sobre valor adicionado.

“A transição seria mais gradual na simplificação tributária e mais rápida em relação às grandes fortunas. Isso daria uma folga para as contas públicas num primeiro momento”, afirma o economista.

Ainda no campo fiscal, Rocha aponta que a reestruturação da dívida pública poderia render mais 2 p.p. do PIB aos cofres públicos, caso o perfil do endividamento brasileiro fosse levado ao custo médio da dívida de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A regulamentação do mercado de câmbio pode levar a um perfil de dívida menos custoso”, explicou.

Reforma trabalhista

A lei 13.467, que reformulou as regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “é desastrosa em vários sentidos”, afirmou o economista Marco Antonio Rocha. “Foi muito dito que a reforma ajudaria na geração de empregos, mas não é verdade – temos visto a deterioração do mercado de trabalho desde a implementação da reforma”, disse. “O que gera emprego é atividade econômica”, emendou.

Três eixos

O professor da Unicamp afirmou que as propostas formuladas para a campanha são divididas em três eixos que visam recuperar a capacidade do Estado de agir de maneira contracíclica na economia.

“Os três eixos se caracterizam em incentivo produtivo tecnológico para a indústria, a recuperação de mecanismos de intervenção estatal na economia e a reformulação da gestão macroeconômica brasileira”, destacou o coordenador.

Na avaliação de Rocha, o dinamismo econômico só será recuperado com investimento público. “Precisamos recuperar a capacidade do Estado de investir”, afirmou.

Mesmo ponderando a necessidade de uma resposta de curto prazo, especialmente por causa da questão do desemprego, Rocha defende que é necessário um “plano estruturante de médio e longo prazo”. “Nós temos de combater esta crise que se caracteriza pela queda do rendimento e alto endividamento”, disse.

Autor: Caio Rinaldi e Mateus Fagundes
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