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‘Nada a Perder’ faz polêmica com episódio da Record

02/04/2018
‘Nada a Perder’ faz polêmica com episódio da Record
Cena do filme Nada a Perder, com Petrînio Gontijo (Edir Macedo) e André Gonçalves (Ronaldo) - Divulgacao

Cena do filme Nada a Perder, com Petrînio Gontijo (Edir Macedo) e André Gonçalves (Ronaldo) – Divulgacao

Talvez fosse necessária uma auditoria. “Nada a Perder – Contra Tudo. Por Todos”, a cinebiografia do bispo Edir Macedo por Alexandre Avancini, estreou na quinta, 29, alardeando números grandiosos. O longa vendeu antecipadamente 4 milhões de ingressos, o que o converte no maior sucesso de bilheteria do cinema brasileiro no ano, até agora. Sucesso de bilheteria, mas não de público. A reportagem constatou que o filme estreou para salas praticamente vazias.

A auditoria poderia ser para constatar quantos, dos ingressos vendidos, corresponderam a espectadores que realmente viram o filme. Pode parecer injusto – os ingressos foram comprados. Mas a injustiça é com os filmes que são vistos e permanecem abaixo desse total.

“Nada a Perder” é sobre uma fraude – o julgamento viciado a que foi submetido o bispo, pelo menos essa é a tese defendida pelo diretor Avancini em sua ficção.
“Nada a Perder” começa justamente com a prisão do bispo. Uma perseguição nas ruas, ele é tirado de dentro do carro e algemado diante da mulher e da filha. Os policiais mais parecem bandidos, agem com truculência e sua arrogância vai permanecer por todo o filme.

A prisão ocupa o começo e o fim, e “durante” o filme conta a história de Dedinho, o menino estigmatizado por uma má formação congênita nas mãos e que cresce revoltado – contra Deus. Mas ele não se revolta só pelo próprio problema. Sofre pela irmã, com sua dificuldade de respirar, sofre pelos pobres. Seu sonho é a evangelização, e para realizá-lo, Edir vai fundar a própria igreja. A Universal do Reino de Deus. Contra tudo, por todos.

E o roteiro chega ao xis da questão. Para aumentar sua força evangelizadora, Edir precisa de uma TV. Compra a Record e é alvo de uma investigação que o filme mostra como complô de políticos, empresários do ramo e representantes da Igreja Católica. O juiz é corrupto e faz parte do grupo que o acusa de falsidade ideológica e crimes contra a fé – charlatanismo. No limite, Edir é salvo pelo Plano Collor, que derruba as dívidas em dólar, e pelas orações do povo, que faz vigília diante da cadeia. “Nada a Perder” é sobre a força do povo, a força (interior) do homem íntegro.

Naturalmente que essa exaltação do homem puro, do homem simples – Edir – toma ares de hagiografia. Em bom português, o filme é chapa-branca, mas a discussão jurídica que atravessa “Nada a Perder” (roubou? Não roubou?) não deixa de refletir, como um espelho, dúvidas que assolam o Brasil real. Ah, sim. Edir chega à Polícia Federal – no filme, os coletes dizem Civil -, chama a agente de “minha filha”. Ela reage – não é “filha”. Você já viu isso, com outros termos e personagens.

O diretor Alexandre Avancini, filho de Walter, já provocou polêmica com “Os Dez Mandamentos”, outro megassucesso de bilheteria – a maior do cinema brasileiro – que não foi referendado pelo público. “Os Dez Mandamentos” era uma súmula da novela. Condensar uma novela inteira em duas horas, dar um mínimo de coerência à história e aos personagens não representa pouco. Desta vez, Avancini não trabalha sobre imagens já captadas. Ele filmou, e contou com bons atores – Petrônio Gontijo e Day Mesquita, que fazem Edir e a mulher, Ester.

Avancini não quis dar entrevista, não mostrou o filme para a imprensa. Seria interessante discutir com ele o subtexto político de sua história. No final, a surpresa – aliás, duas. O filme termina em aberto, prometendo uma sequência. E o próprio bispo marca presença, convidando o público para orar na poltrona. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Luiz Carlos Merten
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