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Doente de Santa Casa – Parte I

11/10/2017
Doente de Santa Casa – Parte I

Já passou o tempo da observação feita pelo saudoso humorista baiano ZÉ TRINDADE que dizia: “Doente da Santa Casa, sabe lá o que isso?/ Doente da Santa Casa!/ Que sina, que desgraceira./ De segunda a sexta-feira/ é sacudido, revirado,/ quase que liquidificado,/ por estudante tarado,/que junta na cabeceira./ Tiram sangue, botam sangue,/exames de raios X,/agulha grossa na veia./ Tacam sonda no nariz,/ dão com o martelo na perna,/peteleco na barriga./ Cada exame desgraçado,/ só pra descobrir uma lombriga./ Diz trinta e três!/ Mais uma vez trinta e três./ E diz quatro, cinco, seis,/ setenta, noventa e três./ E a todos que vão pedindo,/ vai o infeliz repetindo:/ trinta e três./ Doente da Santa Casa /que resistência brutal./ Seu fígado é mais apalpado/que broto no carnaval./ Seu coração é mais ouvido/ que o Hino Nacional/ E todo remédio novo,/ antes de ser dado ao povo,/ o laboratório não esquece./ Manda amostras pros doentes da Santa Casa,/ para ver o que é que acontece./ Doente da Santa Casa./ Se o caso é de abrir barriga,/ às vezes sai até briga,/pois tudo o que é doutor,/que acaba de ser formado/ quer estrear o bisturi/ no abdome do coitado!/ Mas, no fim, tudo se ajeita,/ pois é achada a receita,/ um que abre, outro que fecha/ e um terceiro enfia a mecha!/ Doente da Santa Casa…/ Se o infeliz cai na besteira/ de ter uma doença rara,/ destas que nem catedrático/ diagnostica de cara,/ aí é que o infeliz sofre pra burro… não pára./ Pois vem estudante, professor,/ catedrático, doutor,/ até cientista e reitor./ Levam o homem para o Congresso…/ Doença pouco comum na Santa Casa/ é um sucesso!/ Doente da Santa Casa/ que alegria que ele tem/ quando a enfermeira anuncia: – O doutor hoje não vem!”

A Santa Casa de Maceió (antigamente conhecida como “Santa Casa de Misericórdia”) já marca um ciclo de mais de 165 anos de fundação. Essa Casa da Saúde de Maceió foi criada em 07/09/1851 pelo cônego João Barbosa Cordeiro, com o lançamento da pedra fundamental no antigo Hospital de Caridade São Vicente de Paulo, por isso se convencionou a comemorar a fundação desta instituição em 27 de setembro, data  dedicada a São Vicente de Paulo, santo que inspirou sua criação. Naquela época, o cônego João Barbosa Cordeiro, pároco da capital, com a ajuda física e espiritual das irmãs Vicentinas, coordenou a arrecadação de inúmeras doações para abrir a pequena unidade hospitalar na cidade. O terreno para sua construção foi doado pelo advogado João Camilo de Araújo e o projeto do prédio foi uma gentileza do engenheiro civil Pedro José de Azevedo Sharamback. Este engenheiro também foi responsável pela construção dos prédios da Assembleia Legislativa, do Mercado Público, da Fazenda Estadual (atual Ministério da Fazenda) e do Liceu de Artes e Ofícios (atual Espaço Cultural da UFAL, na Praça Sinimbu).

Mas a criação das Santas Casas de Misericórdia não é uma originalidade brasileira. Essa instituição teve origem no “Compromisso da Misericórdia de Lisboa”, por volta de 1498, com a aprovação do rei Dom Manuel I e, posteriormente, confirmado pelo Papa Alexandre VI. Seu regulamento teve como base os ensinamentos de São Tomás de Aquino, inspirado na Irmandade da Nossa Senhora da Misericórdia. No Brasil, a atuação destas Casas de Saúde dividiu-se em duas fases: a primeira representou o período de meados do século XVIII até 1837, como instituição de natureza caritativa; e a segunda compreendeu o período de 1838 a 1940, com a preocupação de natureza filantrópica. A primeira Santa Casa de Misericórdia implantada em terras brasileiras foi na cidade de Olinda em 1539, na província de Pernambuco.

Mas, a realidade de hoje é outra, bastante diferente do tempo de Zé Trindade. As Santas Casas de Misericórdias evoluíram, deixaram de serem hospitais filantrópicos para se transformarem em empresas prestadores de serviços de saúde, lucrando com isso e sendo imunes ao pagamento de tributos fiscais. Deixaram de serem unidades para serem complexos hospitalares e ambulatoriais, atendendo mais aos pacientes particulares (aqueles que podem pagar por serviços médicos) e aos usuários de Planos de Saúde, em detrimento dos pacientes pobres e financeiramente hipossuficientes, que não podem contratar tais serviços, totalmente dependentes do SUS (Serviço Único de Saúde Pública).

Os melhores equipamentos e os melhores profissionais da saúde estão lotados nas Santas de Casas de Misericórdias. Aliás, nos Estatutos Sociais dessas instituições foi retirada a expressão “misericórdia” (afinal, quem possui misericórdia tem compaixão e pratica a caridade).  E não é isso o que acontece nos dias atuais… Pensemos nisso! Por hoje é só.