Brasil

Dilma deveria seguir seu conselho

03/08/2016
Dilma deveria seguir seu conselho
A presidente afastada Dilma Rousseff deverá apresentar em sua defesa, no processo de impeachment no Senado, um documento que vem sendo chamado de Carta aos Brasileiros.  (Foto: G1)

A presidente afastada Dilma Rousseff deverá apresentar em sua defesa, no processo de impeachment no Senado, um documento que vem sendo chamado de Carta aos Brasileiros. (Foto: G1)

A presidente afastada Dilma Rousseff deverá apresentar em sua defesa, no processo de impeachment no Senado, um documento que vem sendo chamado de Carta aos Brasileiros. Será a última tentativa de arrebanhar os votos que lhe faltam para ser absolvida em plenário. Num voto em separado apresentado nesta semana, senadores favoráveis a Dilma não economizam verborragia para defendê-la.

Numa comparação descabida e extemporânea da situação política atual com o Brasil de 1964, os senadores afirmam que está em curso um “golpe ‘branco e manso’”, um “impeachment sem crime de responsabilidade”. “Mudaram os eufemismos e as circunstâncias históricas, mas golpe sempre é golpe”, dizem. O documento traz um festival de comparações e citações – de Hannah Arendt a Sófocles; de Dante Alighieri a Edgar Allan Poe.

A teoria da conspiração dos senadores atribui o tal “golpe” a um conluio entre o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o então vice Michel Temer, tucanos como Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves, empresários da FIesp, o TCU, centenas de deputados e senadores, entre os quais Renan Calheiros, José Serra e Romero Jucá – agindo sob várias razões espúrias, entre elas o desprezo pela democracia e até mesmo a misoginia.

É uma leitura bastante instrutiva, além de divertida, na semana em que João Santana e sua mulher, Mônica Moura, foram soltos depois de confessar ter recebido pelo caixa dois na campanha presidencial petista – fato de resto já sobejamente comprovado pelas investigações do Ministério Público Federal de contas no exterior. Dilma tentou se afastar das denúncias, atribuindo qualquer responsabilidade ao PT. “O PT precisa reconhecer seus erros”, afirmou ela ontem em entrevista à revista Fórum.

Outra leitura instrutiva é o voto apresentado pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), recomendando a pronúncia de DIlma como ré. Técnico, o texto de Anastasia traz menos erudição e referências históricas para compôr sua narrativa. Ele preferiu ater-se aos fatos. E os fatos são conhecidíssimos e já foram repetidos à exaustão. Claro que não custa repeti-los outra vez – mais uma – ainda que de forma resumida.

Dilma cometeu, segundo Anastasia, dois tipos de crime de responsabilidade em 2015: 1) emitiu decretos de crédito suplementar sem aprovação do Parlamento; 2) omitiu-se ao evitar impedir operações de crédito irregulares com uma instituição financeira controlada pela União, o Banco do Brasil. “A gravidade dos fatos constatados não deixa dúvidas quanto à existência não de meras formalidades contábeis, mas de um autêntico ‘atentado à Constituição’”, escreve Anastasia.

Em sua análise, ele desmonta em pormenores os argumentos da defesa e traz como provas dezenas de documentos e testemunhos. Coloca os fatos de 2015, pelos quais Dilma está em julgamento, num contexto mais abrangente, em que a incúria fiscal se estendia pelo menos desde 2013. Não sobra realmente muita dúvida a respeito da essência da questão.

Se aprovado o relatório de Anastasia na semana que vem, caberá, em seguida, aos 81 senadores escolher entre as duas versões para definir o destino de Dilma. Na versão de seus partidários, ela é vítima de uma conspiração golpista que visa a acabar com as conquistas populares dos 13 anos de governo do PT. Na versão do relator, ela atentou contra a Constituição, contra a Lei Orçamentária, contra a Lei de Responsabilidade FIscal e deve ser enquadrada na lei 1.079, que prevê seu impeachment.

Para os partidários de Dilma, não há crime de responsabilidade. Eles não cansam de defender Dilma proclamando sua honestidade. Mas esse é um argumento absolutamente ocioso neste caso. Dilma pode ser honesta ou desonesta, mas não é isso que está em julgamento.

Crimes de responsabilidade, sempre é bom lembrar, não são crimes comuns. A própria palavra “crime”, usada nesse contexto, gera confusão. O jurista Paulo Brossard, em sua obraO Impeachment, prefere chamá-los de “infrações político-administrativas”. O objetivo do impeachment, diz ele, não é punir o criminoso, mas proteger o Estado de suas ações. O julgamento dos crimes cabe, depois do impeachment, à Justiça comum.

A democracia brasileira tem demonstrado um grau supreendente de maturidade ao atravessar um processo traumático como o impeachment sem solavancos capazes de abalar suas estruturas – embora tenha havido momentos de choque institucional arriscado. Sairá ainda mais madura se, quer Dilma seja condenada, quer absolvida, os derrotados no processo souberem respeitar o resultado. Se perder, em vez de atribui-lo a uma conspiração golpista imaginária, Dilma deveria fazer aquilo que ela mesma sugeriu: reconhecer seus erros e passar por uma transformação.