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Qual será o papel de BIll?

27/07/2016
Qual será o papel de BIll?
Contou em 40 minutos detalhes de seu relacionamento com Hillary e procurou mostrar como seu casamento resistiu a todas as crises graças a ela. (Foto: G1)

Contou em 40 minutos detalhes de seu relacionamento com Hillary e procurou mostrar como seu casamento resistiu a todas as crises graças a ela. (Foto: G1)

É provável que nem o presidente Barack Obama consiga superar em emoção o discurso feito ontem por Bill Clinton na Convenção Democrata, na Filadélfia, que indicou sua mulher, Hillary, candidata do partido à Presidência dos Estados Unidos. Aos 69 anos, Bill ainda é um orador nato. Contou em 40 minutos detalhes de seu relacionamento com Hillary e procurou mostrar como seu casamento resistiu a todas as crises graças a ela. A plateia foi ao delírio.

Hillary, ontem ausente, deverá discursar apenas no encerramento da Convenção. Ela é uma das candidatas mais impopulares na história dos Estados Unidos. Bill lamentou que sua mulher tenha sido transformada numa vilã de desenho animado por seus detratores. Uma Hillary, disse ele, é real, a outra é inventada. “Vocês indicaram a real”, afirmou. “ A melhor provocadora de mudanças que conheci na minha vida inteira.”

O discurso de Bill foi tão intenso que deixou no ar uma questão inescapável: se Hillary ganhar, qual será o papel dele no governo dela? O que fará um “primeiro marido”, presidente por dois mandatos, caso Hillary seja eleita? Num casal que respira e vive para a política desde que os dois se conheceram, em 1971, onde um sempre apoiou o outro nos momentos mais difíceis, será que ela governará sozinha?

A questão se torna ainda mais relevante pois a “maior provocadora de mudanças” terá, mais que qualquer outra transformação, de mudar o legado de seu marido. A visão que inspirou as políticas implementadas por Bill em seu governo foi posta em xeque nesta campanha. Para obter a indicação, Hillary teve de voltar atrás em várias posições que assumira e prometeu desfazer várias medidas implementadas por seu marido.

Ninguém fez mais pela globalização que Bill Clinton. Só para ficar no campo dos acordos comerciais, ele firmou o Nafta, lutou e fracassou no estabelecimento da Alca, além de ter apoiado a transformação do Gatt na OMC, com a entrada da China. Em todas essas decisões, enfrentou o lobby de sindicatos e a esquerda de seu partido, liderada pelo então deputado (e hoje senador) Bernie Sanders. A campanha deste ano, tanto entre democratas quanto entre republicanos, foi marcada pelo repúdio à globalização e à perda de empregos para a China. Tal sentimento levou à ascensão tanto de Sanders quanto de Donald Trump. 

Quando estava no poder, Bill foi um dos artífices da desregulamentação dos mercados financeiros. Nomeou como secretário do Tesouro Robert Rubin, ex-diretor do banco Goldman Sachs, visto pela esquerda democrata como uma espécie de Voldemort de Wall Street. Foi no governo dele que o Congresso derrubou a lei que desde 1933 separava as áreas comercial e de investimento nos bancos, a Lei Glass-Steagall. Diversos economistas atribuem a tal medida grande parte da responsabilidade pela crise financeira de 2008. Sanders ganhou popularidade com seu discurso contra a bondade do governo com bancos e grandes corporações.

Finalmente, Bill adotou políticas que dificultavam a legalização de imigrantes estabelecidos nos Estados Unidos e, para conquistar votos no Sul do país, também se distanciou do movimento negro em alguns momentos de seu mandato. Adotou leis criminais mais duras e reduziu benefícios sociais voltados prioritariamente aos negros. 

Quase todas essas políticas de Bill criam problemas para Hillary. É verdade que, com um adversário como Trump, ela não terá dificuldade em atrair o voto de latinos e negros – como mostrou a presença ontem na Convenção das mães do movimento Black Lives Matter. Mas já se viu obrigada a repudiar o Tratado para a Parceria Transpacífica (TPP), um acordo de livre-comércio incluindo a China, que defendera e ajudara a negociar no primeiro governo Obama. Até agora, se enrolou toda para explicar o conteúdo da série de palestras que proferiu no Goldman Sachs, pelas quais recebeu US$ 675 mil. Vive sendo criticada pela proximidade com Wall Street. Não faltará material para republicanos explorarem na campanha.

Desde que deixou o poder, Bill comanda uma instituição chamada Clinton Global Initiative – como o próprio nome diz, uma “iniciativa global”. Não é exatamente um nome feliz num momento em que os eleitores são seduzidos por slogans como “América primeiro”. Se os republicanos decidirem atacar Bill e seu legado, os tiros atingirão Hillary. Ela também precisa definir rapidamente um papel para seu marido em caso de vitória – ou então corre o risco de ser eclipsada pela exuberância e pelos escorregões dele, a vagar como eminência parda pela Casa Branca.