Política

As cartas de Dilma: negociar um plebiscito e forçar julgamento durante Jogos

06/07/2016
As cartas de Dilma: negociar um plebiscito e forçar julgamento durante Jogos
Para se safar do impeachment, a petista precisa dos votos de 28 dos 81 senadores. (Foto: Assessoria)

Para se safar do impeachment, a petista precisa dos votos de 28 dos 81 senadores. (Foto: Assessoria)

Um documento assinado pela presidenta afastada Dilma Rousseff (PT) estará no foco dos senadores que compõem a Comissão Especial do Impeachment nesta quarta-feira (6). E dessa vez, não serão os decretos de suplementação orçamentária dos quais ela acusada de crime fiscal, mas sim, a sua defesa que será integralmente lida por seu advogado, o ex-ministro José Eduardo Cardozo. Em linhas gerais, a defesa dirá que a presidenta não cometeu crimes de responsabilidade e que o processo não foi promovido para punir qualquer situação ilícita. “Foi feito para afastar a presidenta eleita por razões políticas, e algumas bastante sinistras”, diz Cardozo insistentemente.

O advogado ostentará como trunfo o resultado da perícia feita por técnicos do Senado de que a presidenta não fez as pedaladas fiscais e apresentará a tese de que os decretos não foram irregulares cometidas diretamente por Rousseff porque, dentre outras razões, tiveram o aval de uma série de técnicos do Governo e foram solicitados por outros órgãos que dependiam desses recursos, como o Judiciário.

Inicialmente esperada para fazer sua própria defesa, Rousseff decidiu que não dará as caras no Senado. “Essa comissão é de cartas marcadas. A presidenta vir aqui seria um desgaste desnecessário. Não vamos reverter o jogo na comissão, a nossa principal luta é no plenário”, disse um dos membros da tropa de choque da petista, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

Enquanto Cardozo prepara a peça que será apresentada aos 21 julgadores da comissão, um grupo de senadores aliados da petista tenta convencer ao menos seis colegas a votarem contra o impeachment no processo que ocorrerá na segunda quinzena de agosto. Uma das estratégias primeiro passa pela própria presidenta afastada declarar oficialmente que, caso retome o cargo, encamparia a tese de que o país precisaria passar por uma nova eleição e eleger um presidente-tampão até 2018.

“A população não quer a Dilma, mas também não quer o presidente interino [Michel] Temer. Basta ver as pesquisas para saber isso. Se ela se comprometer com uma nova eleição, cresce nossas chances de conseguirmos apoio dos senadores”, disse o senador Telmário Mota (PDT-RR), um dos 22 senadores que já declararam apoio à continuidade do mandato de Rousseff.

Alguns dos movimentos sociais discutem se encampam ou não essa proposta. A principal tríade de apoio à petista, formada pela Centra Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) discute internamente essa questão. A resistência ocorreria porque algumas dessas lideranças sociais entendem que a mobilização em torno da presidenta afastada poderia diminuir, caso ela concordasse em convocar novas eleições. “Como iríamos mobilizar nossa gente para, primeiro defender a Dilma e, quando ela assume o Governo de novo, defender uma nova eleição. A situação é estranha”, disse uma dessas lideranças sob a condição de não ter seu nome divulgado. Lindbergh Farias, por outro lado, diz que essa proposta ainda não está fechada. “Não é tão simples quanto parece”, ponderou o petista.

Para se safar do impeachment, a petista precisa dos votos de 28 dos 81 senadores. A reportagem apurou que os alvos nesse momento são os seguintes parlamentares: Cristóvam Buarque (PPS-DF), José Reguffe (Sem partido-DF), Dario Berger (PMDB-SC), Acir Gurgacz (PDT-RO), Eduardo Braga (PMDB-AM) e Ivo Casol (PP-RO).

Uma outra estratégia dos aliados de Rousseff será a de tentar antecipar o julgamento dela em uma semana. Previsto para ocorrer após o dia 22 de agosto os dilmistas querem antecipá-lo para o dia 15. O motivo é que gostariam de aproveitar uma repercussão internacional que o tema teria pois entre os dias 3 e 21 de agosto cerca de 25.000 jornalistas do mundo inteiro estarão no Brasil para a cobertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. “Eles [os adversários] querem deixar para depois das Olimpíadas para que não haja uma denúncia internacional, se anteciparmos, podemos ter esse destaque fora do país ampliada”, analisou Lindbergh.

Vaquinha para viajar

Além de acompanhar par e passo a preparação de sua defesa, Rousseff tem atuado em duas linhas que, por não ter uma veia política aflorada, até então não tinha aparecido em momentos fora de campanhas eleitorais: ela tem concedido várias entrevistas e viajado por todo o país para encontros com seus apoiadores. Nos 54 dias em que está afastada, ela já deu ao menos 17 entrevistas (foram desde rádios locais, como a Panorâmica da Paraíba, até a jornais e emissoras internacionais, como este EL PAÍS e a Al Jazeera), e esteve em ao menos 12 cidades para participar de atos em defesa de seu mandato. Na próxima sexta-feira, participará de atos no Estado de São Paulo.

As viagens chegaram a ficar ameaçadas com a decisão do Governo Temer de passar a cobrar para que ela usasse a aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB). Duas amigas da presidenta, que ficaram presas com ela durante a ditadura militar, iniciaram uma campanha de arrecadação de recursos na internet, uma espécie de vaquinha virtual, para pagar essas viagens. A expectativa inicial era de arrecadar 500.000 reais em 20 dias. O valor foi superado em menos de três. Até as 20h30 desta terça-feira, o sexto dia campanha, foram doados 663.104 reais por 10.082 apoiadores da presidenta.

As viagens de Rousseff e de parte de sua equipe de segurança a assessores ocorre em táxis-aéreos particulares. Até o julgamento do impeachment, a expectativa dela é que outras dezenas de deslocamentos e entrevistas ocorram. Um deles pode ser para o Rio, no dia 3 de agosto, quando ocorrerá a abertura das Olimpíadas. A decisão ainda não foi tomada, mas, se acontecer, haverá o constrangimento público, já que Temer também deverá estar na solenidade.