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Vaticano retirará sigilo de documentos sobre ditadura militar argentina

19/03/2016
Vaticano retirará sigilo de documentos sobre ditadura militar argentina

Papa em 2015: "a Igreja fará uma autocrítica sobre seu papel durante o terrorismo de Estado e que abrirá seus arquivos sobre o período" (Diego Cambiaso/FlickrCC)

Papa em 2015: “a Igreja fará uma autocrítica sobre seu papel durante o terrorismo de Estado e que abrirá seus arquivos sobre o período”
(Diego Cambiaso/FlickrCC)

O Vaticano irá retirar o siglo de documentos relativos à ditadura militar da Argentina (1976-1983), reportou neste sábado (19/03) a Télam, agência de notícias oficial argentina. A Santa Sé não estabeleceu um prazo para a liberação dos arquivos.

“A ordem leva seu tempo porque implica na leitura e classificação dos documentos. Alguns estavam mais organizados e outros necessitam de mais atenção”, declarou à Télam Carlos Malfa, secretário-geral da Conferência Episcopal Argentina, após ter se reunido como o papa Francisco.

Sobre o conteúdo dos documentos, Malfa explicou que “em geral trata-se de cartas que foram recebidas e solicitavam saber o paradeiro de desaparecidos detidos ou algo nesse sentido. Há também recortes de jornais da época”. “Não podemos estipular um prazo, mas se está trabalhando nisso”, disse.

Na última quinta-feira (17/03), o governo dos Estados Unidos declarou que iria desclassificar documentos relativos à ditadura militar argentina. O presidente Barack Obama fará uma viagem oficial à Argentina na próxima semana.

“A pedido do governo argentino, o presidente [Obama] anunciará um amplo esforço para retirar o sigilo de mais documentos, incluindo, pela primeira vez, registros militares e da inteligência”, declarou Susan Rice, assessora de Segurança Nacional. No dia 24 de março, data em que o golpe de Estado na Argentina completará 40 anos, Obama estará no país e deverá fazer o anúncio oficial da medida.

Na véspera, dia 23, o papa Francisco irá receber familiares de vítimas e desaparecidos no regime militar. Segundo fontes da Santa Sé informaram à Télam, o pontífice se reunirá com parentes da modelo e militante Marie-Anne Erize Tisseau, desaparecida em 1976; da monja francesa Leonie Duquet, desaparecida no mesmo ano; do dirigente comunista Alberto Carvajal, assassinado em 1977, e do arcebispo salvadorenho Óscar Romero, assassinado em 1980 e beatificado em 2015.

O papa Francisco é acusado por estudiosos do período da ditadura de ser um colaborador do regime militar no país. “Ele ajudou a ditadura desarmando o trabalho social que os jesuítas faziam nos bairros pobres, apoiando [Emilio Eduardo] Massera [comandante da Marinha e integrante da Junta Militar] na luta interna com [Jorge Rafael] Videla [ditador do país entre 1976 e 1981] e entregando os sacerdotes mais comprometidos, que foram sequestrados e o acusam de deixá-los desprotegidos”, disse o jornalista Horacio Verbitsky, autor de diversos livros sobre a ditadura argentina e a Igreja Católica, em entrevista a Opera Mundi em 2013, logo após Jorge Mario Bergoglio ter sido eleito papa.

Uruguai

“Os arquivos sobre as ditaduras vão ser abertos”, disse o papa ao embaixador do Uruguai no Vaticano, Francisco Ottonelli, se referindo aos documentos sobre as ditaduras militares de países sul-americanos. Ottonelli afirmou à Télam que o pontífice pediu para que ele tratasse do procedimento com Giuseppe Laterza, da Secretaria de Estado do Vaticano, a fim de que a questão seja tratada pela Conferência Episcopal uruguaia.

No ano passado, Laterza disse a Angela Lita Boitano, presidente da associação argentina Familiares de Detidos e Desaparecidos por Razões Políticas, que seriam revelados documentos sobre a ditadura da Argentina que estão em posse do Vaticano. Segundo Otonelli, a abertura dos arquivos do Vaticano foi “a primeira tarefa” que lhe foi instruída pelo presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, que o nomeou embaixador em 2015.

Após reunião com o papa em abril do ano passado, Lita Boitano ainda afirmou que o pontífice havia dito que “a Igreja fará uma autocrítica sobre seu papel durante o terrorismo de Estado e que abrirá seus arquivos sobre esse período”.