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Bispos católicos não são obrigados a denunciar casos internos de pedofilia, diz Vaticano

12/02/2016
Bispos católicos não são obrigados a denunciar casos internos de pedofilia, diz Vaticano
Documento do Vaticano dá pouca importância à pedofilia, retratada em 'Spotlight'

Documento do Vaticano dá pouca importância à pedofilia, retratada em ‘Spotlight’

Novos bispos da Igreja Católica “não são obrigados” a denunciar à polícia de seus países eventuais casos de pedofilia envolvendo clérigos. É o que aponta um documento divulgado pelo Vaticano e que trata da forma de um bispo se portar diante de casos de abuso infantil envolvendo religiosos. O caso foi denunciado pelo jornalista John Allen, veterano na cobertura do Vaticano, no site Cruxnow.com.

De acordo com o documento, a responsabilidade de denúncias sobre casos de pedofilia cabe aos familiares e à própria vítima, não sendo atribuição do bispo realizá-la em outra esfera que não seja a interna.

“De acordo com as leis de cada país onde a denúncia é obrigatória, não é parte das atribuições de um bispo reportar suspeitas às autoridades, à polícia ou aos promotores locais no momento em que eles fiquem sabendo de crimes ou atos pecaminosos”, diz o documento de treinamento redigido pelo controverso monsenhor francês e psicoterapeuta Tony Anatrella, que é consultor do Conselho Pontífice para a Família e criador da ‘teoria de gênero’, a qual prega quea aceitação da homossexualidade em nações ocidentais está “criando sérios problemas”.

Ainda de acordo com as informações divulgadas por Allen, e reproduzidas pelo jornal britânico The Guardian e pela revista americana Newsweek, a recém-formada Comissão Pontífice para a Proteção das Minorias, criada pelo Papa Francisco, parece não ter tido qualquer participação do programa de treinamento de novos bispos católicos, apesar de ter sido criada justamente para adotar práticas que evitassem a pedofilia dentro da Igreja.

Ao The Guardian, uma fonte da Igreja ligada à comissão informou que é de entendimento de que denunciar abusos infantis trata-se de “uma obrigação moral, seja requerido ou não pelas leis” de cada país. Ainda segundo o jornal, as visões de Anatrella no documento se focam nas visões dele sobre a homossexualidade, ignorando a seriedade da pedofilia na Igreja que “grupos de vítimas dizem continuar a ser um problema até hoje”.

A informação sobre o treinamento de novos bispos vem justamente às véspera doOscar, o prêmio mais badalado do cinema, o qual tem entre os concorrentes o filme Spotlight, que é baseado em fatos reais e trata dos muitos casos de pedofilia envolvendo padres na cidade americana de Boston. A prova de que a Igreja sabia de pelo menos 150 casos levou, após uma farta pesquisa jornalística, à renúncia do cardeal americano Bernard Law, em 2005.

Esse tipo de treinamento do Vaticano começou em 2001 e é repassado a cerca de 30% dos padres católicos de todo o mundo. As informações repassadas na mais recente versão, datada de setembro do ano passado, colidem com a ‘tolerância zero’ prometida pelo Papa Francisco quanto ao abuso de criançasdentro do ambiente clérigo.

Para o grupo americano SNAP, que reúne vítimas de abusos cometidos por padres, “é perigoso que tantos acreditem no mito que os bispos estão mudando a forma de lidar com a pedofilia e que tão pouca atenção seja dada” ao assunto internamente.

Oficialmente, o Vaticano se recusou a comentar o teor da reportagem de Allen e do treinamento repassados aos bispos.