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Primeira comunidade Quilombola reconhecida em Alagoas sofre descaso do Poder público

20/11/2014
Primeira comunidade Quilombola reconhecida em Alagoas sofre descaso do Poder público

3aSão quase 400 pessoas, entre crianças, jovens e idosos morando debaixo de barracos feitos com pedaços de pau e coberto por uma lona. Água encanada não existe, energia elétrica chega por meio de gambiarras e arranjos feitos com pedaços de fios emendados. A escola mais próxima para as crianças estudarem fica numa distância de 14km da comunidade. Assistência médica também é uma falta a ser suprimida. Podendo elencar ainda como mais um problema, as queimadas feitas para tentar diminuir o lixo, pois não existe coleta no local. São estes alguns dos problemas vivenciados pelos moradores que fazem parte da primeira comunidade quilombola reconhecida no Estado de Alagoas, localizada na Tabacaria, zona rural do município de Palmeira dos Índios.

Na semana em que é comemorado o “Dia da Consciência Negra”- 20 de novembro – A reportagem do Jornal Tribuna do Sertão esteve na comunidade e se deparou com uma realidade ainda muito difícil vivenciada por aqueles negros. Um dos moradores mais antigos, identificado por Gerson Paulino dos Santos, 67 anos, foi quem conversou e relatou como, apesar de passados tantos anos, a luta ainda é grande para poder ter direito a uma vida digna, com condições básicas de sobrevivência. Gerson é descendente de negro, seus avós vieram da Serra da Barriga em União dos Palmares–conhecida mundialmente pela história de luta de Zumbi – líder do quilombo dos Palmares.

Na comunidade Gerson ao lado de sua esposa e filhas, conta a história de Zumbi com muito orgulho, relatando a luta e as dificuldades em busca da liberdade dos negros. Relembra a fuga de seus avós junto com um grupo de mais 40 negros da Serra da Barriga após a morte de Zumbi. Todos foram em busca de um lugar seguro para o grupo, quando passaram pelo município de Viçosa até chegarem finalmente em uma Mata onde existia uma caverna. De acordo com o morador, a caverna ficava dentro de uma pedra que mede 5m de largura e 11 metros de comprimento e, naquele momento, era o lugar ideal para eles se abrigarem, caçar e colher frutos para se alimentarem.

Próximo a essa pedra foi encontrada um local onde eles perceberam que poderiam ter água, com isso, os negros se organizaram como em um mutirão e foi cavada uma cacimba que matou a sede do grupo. A cacimba ainda existe até hoje e é conhecida por “cacimba da véia”, pois, segundo Gerson, as senhoras iam pegar água para o consumo da família, como também para cozinhar e lavar os poucos utensílios e roupas que tinham.

A pedra do Maiará

 Apesar de estarem em um lugar considerado seguro e longe dos conflitos, o medo fazia com que eles se organizassem dentro da pedra no meio da Mata, principalmente as mulheres, as crianças e os idosos. Segundo o descendente, os negros mais jovens ficavam se reversando durante a noite para vigiar o local e eles tinham sinais como assovios para alertar algum perigo na mata.

Foi descoberta em seguida a pedra do Maiará, localizada acima da caverna, e devido a altura altura onde estava localizada a pedra, tinha-se a visão ampliada da região. Dois negros ficavam embaixo e dois em cima, se reversando. Os búzios ajudavam a dar o sinal de perigo e avisar que todos deviam entrar na caverna e se proteger. Com o passar dos anos, após a abolição da escravatura, eles foram saindo da caverna e da mata, dando início ao povoado, onde foram construídos ranchos feitos de palha e pedaços de pau e também um cemitério para enterrar seus entes.

2aDurante a entrevista Gerson citou também a época em que era mais jovem e morava junto com os pais, e o antigo dono da terra mandava buscar os negros para trabalharem em sua propriedade dois dias por semana de graça, para poder deixar os negros morarem na terra. Essa era a condição imposta pelo fazendeiro. E, no resto dos dias da semana, eles trabalhavam em troca de um litro de milho e sardinha. Segundo Gerson, a fome era tanta que eles saiam em busca de maracujá e frutos na mata. Sem receber dinheiro em moeda, todo trabalho era trocado apenas pela pouca comida.

O preconceito

 Após a liberdade dos negros com a Lei Áurea, extinguindo de vez a condição de escravos no Brasil, o grupo quilombola de Palmeira foi saindo da caverna e dando início a um processo novo na vida dos que faziam parte do grupo, pois a notícia se espalhou pelo mundo e o medo foi dando o lugar para a vontade de ser igual a todos os outros. “A história conta que o negro é um povo trabalhador, sofrido e que já foi muito humilhado. Mas deve-se observar que seu trabalho serviu para enriquecer muitos fazendeiros, e explorar riquezas de regiões. O preconceito ainda existe e não conto as vezes que ouço as pessoas dizerem ainda que “Toda fazenda tem que ter um negro, um jumento e um carro de boi, se não tiver isso não tem nada”, conta Gerson.

 A comunidade

 Na comunidade que tem uma extensão de 410 hectares, existem hoje cerca de 400 pessoas entre crianças e adultos e idosos. Há uma associação quilombola e a cada três anos é eleito o presidente. Amaro Felix é o atual presidente da Associaçãojunto com o vice-presidente – Elson Paulino dos Santos, que no momento da reportagem tinham viajado para Brasília em busca de ajuda e projetos do governo federal.

De acordo com as declarações da esposa de Gerson, eles descobriram o que era ser Quilombola após receber uma visita de uma africana identificada por Bernadete, que descobriu e identificou a comunidade e conversou com os moradores explicando que eles seriam reconhecidos como uma comunidade quilombola. “Ela brigou muito para nós termos nossos direitos. Há 11 anos começaram a lutar para termos direito à terra. A ideia de se organizar aconteceu com apoio da Bernadete que foi embora e quando voltou já trouxe a notícia de que haveria um estudo e a demarcação da terra com a topografia, o INCRA esteve também no local. E começou a luta para que o governo doasse a terra para os negros” disse o quilombola.

A Tabacaria onde está localizada a comunidade Quilombola pertence ao município de Palmeira dos Índios e foi a primeira a ser reconhecida como comunidade quilombola no estado de Alagoas, o reconhecimento aconteceu há mais de 10 anos. Segundo informações de Maria Aparecida dos Santos, em 2013, foi assinado o documento dando a posse das terras aos negros, e, naquele momento, surgiram projetos e ideias para investir na terra. Segundo Aparecida, o governo já pagou aos antigos proprietários, e o engenheiro já esteve no local no local para fazer os estudos e em seguida dá início as construções das casas.

11aCasas de lona

Aparecida passou a informação de que os responsáveis pela construção das 89 casas na comunidade mostraram um projeto onde eles sugeriram que o modelo delas fosse igual ao da minha casa minha vida, mas, segundo Aparecida, existe espaço para a construção das casas. “Devido a esse tempo de política deu uma parada, mas acredito que o projeto tenha continuidade agora”, disse.

Saúde e transporte

 Os maiores problemas, entre outros, apontados pelos moradores foram a saúde e o transporte. Segundo Aparecida, o quilombola que desejar ir até o município de Palmeira tem que  pagar R$10 reais de transporte. Mas o que mais chamou atenção foi a declaração de que a prefeitura de Palmeira não disponibiliza sequer uma ambulância para os doentes e quando uma pessoa passa mal, eles tem que pagam o valor de R$100 reais para o carro, ou um táxi ir pegar o doente. Existe uma agente de saúde que faz o levantamento, no entanto, não há estrutura para trabalhar. “Se tiver o dinheiro chega no hospital, caso contrário morre em casa. Os exames, mesmo simples, demoram quase um ano para ter o resultado. O posto mais próximo é no Bonifácio e quando chega lá é difícil de encontrar o médico. Crianças vivem com diarreia devido a água. A situação não tá fácil” desabafa Aparecida.

10aAo ver a reportagem na comunidade, uma irmã de Aparecida se aproximou e pediu que fosse divulgada a sua fala, Então, ela disse que “Nenhum órgão de Palmeira dá assistência aqui na comunidade. Só recebo do Bolsa Família. E nós só comemos o que conseguimos plantar. Aqui não tem projeto algum sendo executado. O prefeito nunca veio aqui. Para nós a nota dele é zero. Não temos assistência alguma. Não tem médicos, enfermeiros, enfim, estamos esquecidos por esse prefeito”.

Quando foram indagadas sobre a questão da educação, as duas irmãs responderam prontamente que “Se quiserem estudar tem uma caminhonete que passa aqui cheia de criança para levar na escola lá no Bonifácio. Mas nós ficamos com medo, porque não é seguro, já aconteceu de uma criança cair e quase morrer”, disse.

Com relação a energia elétrica, a reportagem foi informada que “é gambiarra”. Quando dá 17 horas não pega nada, geladeira, TV tem que ser deligada. As instalações são feitas com pedaços de pau e fios emendados. Já aconteceu um incêndio no meu barraco e todos correram para poder apagar. A sorte que tinha gente na hora”, contou Aparecida.

Apoio Cultural

 As quilombolas disseram  ainda que o prefeito de Palmeira nunca deu apoio a cultura negra, e que algumas vezes em que foram chamados para fazer a apresentação do Reisado, por exemplo, eles se sentiram envergonhados pois não tinham sequer as roupas adequadas para a apresentação. “Veja a realidade, no dia 20 de novembro é o dia da consciência negra e o prefeito nunca liberou um carro para nós irmos para União (dos Palmares) participar de comemorações da nossa cultura”, lamentaram.

Outo que fez questão de falar foi Gerson, dizendo inclusive que foi junto com o presidente da associação pedir apoio para o reisado, que é uma tradição na comunidade. “Fomos fazer apresentações em Palmeira mas passamos vergonha porque não tínhamos sequer a roupa. Pedimos os trajes e ele nunca deu nada. Os que faziam parte das escolas estavam todos arrumadas e nós, quilombolas, desarrumados. Nós soubemos que veio um dinheiro para produzir as roupas dos componentes do reisado, são 22 pessoas, mas esse dinheiro nunca chegou. Ainda compraram os cortes de pano, mas parece que não pagaram a costureira. Não temos incentivos. A verba para comprar os trajes foi enviado mas nunca chegou” afirma.

“Aqui ele (o prefeito) não faz um favor a ninguém. Se não fosse o fome zero nós morríamos de fome. Nem um rolo de lona ele trás para nós. Hoje temos terra para trabalhar, o governo comprou nossas terras, e produzimos nosso alimento. Mas não temos estrutura para melhorar as nossas vidas, como a saúde e a educação”, desabafa Maria dos Santos.

Problemas enfrentados

 Os quilombolas informaram ainda que a água para o consumo é retirada do açude, onde foi observada a existência de cavalos, gado, cachorro, bebendo e fazendo as necessidades dentro da água.

Nesse momento foi perguntado se eles não tinham medo de beber aquela água, então a resposta foi rápida: “Temos que beber para não morrer de sede. E tem que ir pegar numa carroça e encher as vasilhas dentro de casa. Antes, no verão, chegava o carro pipa, mas agora não chega mais nada.

“O chafariz que foi instalado não funciona” falou Maria.

Não existe coleta de lixo e eles fazem queimadas nos fundos das cabanas de lona. O risco de incêndio é muito grande, principalmente com a seca e o sol quente. Sem contar que essa prática não é permitida, pois prejudica o meio ambiente e ainda corre o risco de incêndio, pois a lona é um produto inflamável.

A quilombola mais velha

 Vicentina Maria da Conceição é a mais idosa da comunidade quilombola, tem 97 anos lúcida mora sozinha, após ter ficado viúva. No período da noite um neto vai apenas para fazer companhia. Ela também conversou com a reportagem e contou que já esteve em vários encontros falando sobre a comunidade quilombola onde nasceu, cresceu, criou filhos e netos e onde espera ser enterrada.

Dona Vicentina foi parteira de muitos quilombolas nascidos na comunidade. Ela conta que já fez o parto da maioria das mulheres na Tabacaria. “As mulheres tinham vergonha de se entregar ao médico para fazer um parto. E os maridos sentiam ciúmes. Elas tinham seus filhos em casa” relembra a senhora.

No que diz respeito as terras quilombolas a idosa diz “ainda bem que já pagaram as terras, só falta agora construir as casinha. Já passei um “bucado” ruim. Minha grande alegria vai ser quando eu ver, antes de morrer, meus filhos e netos embaixo de um teto. Sei que posso não alcançar essas casas, mas eu acredito que isso vai acontecer. Eu já estou no fim da vida, mas sei que lutei muito pelo nosso povo tão sofrido. Devo mais um favor à Deus porque não estou caducando, consigo andar devagarinho e espero ver o sonho dos meus filhos realizado”, finaliza dona Vicentina com os olhos cheios de lágrimas.