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Cinco pontos-chave para entender a crise na Ucrânia

22/11/2014
Cinco pontos-chave para entender a crise na Ucrânia
Dezenas de milhares de manifestantes ucranianos tomaram Maidan, a Praça da Independência, no centro da capital Kiev

Dezenas de milhares de manifestantes ucranianos tomaram Maidan, a Praça da Independência, no centro da capital Kiev

      O conflito na Ucrânia, que completa um ano nesta sexta-feira (21/11), já resultou na morte de 4.317 pessoas e deixou outras 9.921 feridas, segundo o mais recente relatório da missão de direitos humanos da ONU, apresentado ontem. Apesar do Acordo de Minsk de cessar-fogo, instaurado desde o início de setembro entre as autoridades de Kiev e os líderes dos grupos separatistas pró-Moscou, ao menos treze pessoas morrem diariamente em consequência das hostilidades.
Esse documento divulgado pelas Nações Unidas aponta como a situação geral segue cada vez mais grave. Mas quais são exatamente as origens do conflito, que muitos líderes mundiais comparam – de forma anacrônica – com “uma nova Guerra Fria”? Opera Mundi seleciona de modo cronológico cinco momentos fundamentais dos últimos 365 dias para sintetizar crise:
1) 21/11/2013: Nesta data, o então presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, anunciou que abandonaria o acordo de associação comercial proposto pela UE (União Europeia), que reforçaria laços com o bloco. A medida resultou em uma aproximação com a Rússia.
A decisão gerou descontentamento de uma significativa parcela da população – essencialmente daqueles que viviam na porção ocidental da Ucrânia – que passou a realizar protestos contra Yanukovich na capital, Kiev, em uma mobilização que ficou conhecida como “Euromaidan”.  Em seguida, Vladimir Putin propôs a redução de preço de gás, empréstimo bilionário e compra da dívida ucraniana – aceitas pelo então líder ucraniano.
Para Carlos Serrano, cuja tese de doutorado pela Universidade de Lisboa é centrada na atual crise da Ucrânia, o desejo de se aproximar do bloco europeu não foi uma questão de ocidentalização, mas, de fato, houve um sonho de que a aproximação com a União Europeia poderia resolver a situação econômica no país.
“Do ponto de vista das elites, não é uma ocidentalização que está por trás do acordo com a União Europeia. Em 2010, Yanukovich foi eleito com apoio das oligarquias que surgiram com o fim da URSS. Mas ele dá início a uma política de centralização econômica, utilizando a política para ter poder nas mãos dele, ameaçando os oligarcas a perder seus privilégios”, explica Serrano
“Essa oligarquia vê na União Europeia um mecanismo de legalizar uma descentralização. Para esses oligarcas seria melhor se tornar sócio minoritário da Europa e manter posição privilegiada, do que não ter proteção e sucumbir às decisões de Yanukovich”, completa. Por outro lado, o interesse do Kremlin na Ucrânia, segundo o doutorando, reside no fato que o país é uma importante área de passagem do gasoduto russo à Europa, além de ser um dos compradores do seu gás, já que hoje a Rússia é uma potência essencialmente energética.
2) 22/02/2014: Após dois meses de protestos com cada vez mais violência e repressão, Yanukovich oferece à oposição cargos no gabinete do governo para frear a crise política que à época já dava primeiros sinais de guerra civil. Contudo, a oposição rejeita a proposta e aumenta reivindicações. Yanukovich é deposto no dia 22 de fevereiro e pede refúgio à Rússia, comparando a crise com levante nazista, em virtude de aumento significativo de milícias fascistas nas mobilizações em torno de Kiev.
Pró-UE, Alexander Turchinov desponta como líder interino. À frente do Parlamento, Turchinov aprovou semanas depois a proposta de integração à União Europeia. A recusa de Yanukovich na assinatura do texto foi estopim para início da crise de novembro que culminou em sua saída do governo. “O rumo em direção à integração europeia se reatou”, anunciara o líder interino.
Para Serrano, o interesse europeu com um acordo de livre-comércio com a Ucrânia mirava “as terras negras ucranianas, extremamente férteis”, fazendo do país espécie de quintal de produção agrícola para abastecer as necessidades do continente.
3) 16/03/2014: Em meio à instabilidade, a  península da Crimeia  – região ucraniana de caráter autônomo localizada ao sul do país, nas margens do Mar Negro e etnicamente mais próxima à Rússia – anunciou não reconhecer o governo de transição anunciado por Turchinov.
Dias depois, o Parlamento da Crimeia aprovou por unanimidade a incorporação de seu território à Rússia e marcou referendo sobre assunto para consultar a população se continuaria como uma república autônoma da Ucrânia, ou se passaria a fazer parte da Rússia.
Com todos os votos apurados, 96,7% dos participantes disseram sim à Rússia no dia 16 de março. Em seguida, Vladimir Putin assinou o acordo de anexação oficial, Crimeia e do porto de Sebastopol, fazendo dos territórios as entidades 84 e 85 da Federação Russa.
De imediato,a Ucrânia declarou não reconhecer a legitimidade da incorporação e os EUA e EU anunciaram diversas sanções contra a Rússia, gerando uma série de desdobramentos diplomáticos e consequências políticas que se mostram potentes até hoje, como foi o caso da Cúpula do G20, em que líderes ocidentais isolaram Putin e rechaçaram medidas tomadas pelo presidente no conflito ucraniano.
 4) 25/05/2014: Em abril, Donetsk declarou independência e proclamou a região como uma “república soberana” que não estaria mais subordinada ao governo central da capital Kiev.
“Nós não aceitamos o critério aplicado pelo governo ilegal da Ucrânia. O que estamos fazendo aqui é a mesma coisa que se fez em Kiev, mas o tratamento dado é o oposto. Lá eles são considerados heróis e ninguém fala em retirá-los dos prédios públicos, enquanto nós somos vistos como criminosos. Todos devem ter o mesmo direito. Estamos prontos para sair quando a mesma atitude for adotada em Kiev”, afirmou Yaroslav, um dos porta-vozes do movimento, em entrevista exclusiva a Opera Mundi em Donetsk.
O clima seguiu violento com muitas mortes e confrontos na região até mesmo com a vitória de Petro Poroshenko nas eleições presidenciáveis de 25 de maio. A tensão na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia chegou ao ápice quando um avião da Malaysia Airlines com 298 pessoas à bordo caiu na região em julho, suscitando troca de acusações entre ambas partes.
Para Petro Poroshenko, não se tratou de um “incidente”, nem de um “desastre”, mas de “um ato terrorista” dos separatistas, que negaram a ação. Tal hipótese de abatimento também foi defendida pela inteligência dos EUA. Meses depois, ao tentar costurar uma saída diplomática para crise, Poroshenko assinou em setembro o Acordo de Minsk, um fracassado cessar-fogo entre ambas as partes.
 5) 26/10/2014: O último capítulo da crise na Ucrânia foi a eleição legislativa, realizada no dia 26 de outubro, apesar do boicote dos separatistas pró-Moscou.
Como resultado, os ucranianos confirmaram nas urnas o desejo de aproximação com a União Europeia e de distanciamento da Rússia. Previsto somente para 2017, o pleito foi antecipado por Poroshenko e teve vitória de partidos marcados por sentimento pró-Ocidente, anti-Rússia e de caráter nacionalista.
Para Vadim Karasyov, diretor do Instituto de Estratégias Globais de Kiev, a antecipação das eleições “favoreceu enormemente os partidos pró-Ocidente”, que “defendem valores tradicionais e conservadores, mas que “se comprometem com a resolução pacífica do conflito no leste da Ucrânia”.
Já para Carlos Serrano, o cenário com as eleições legislativas é pessimista. “A nova composição do Parlamento é majoritariamente do partido Frente Popular, do atual primeiro-ministro, Arseni Yatseniuk. Tal partido segue uma política de guerra. Com essa hegemonia, o prognóstico é a continuação da guerra”, comenta.