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Alagoas e o dia do Golpe Militar de 1964

31/03/2014
Alagoas e o dia do Golpe Militar de 1964
Ato na CGT no dia 29 de marco de 1964

Ato na CGT no dia 29 de marco de 1964

Rubens Colaco

Rubens Colaço

Um fato político que marcou os dias que antecederam o Golpe Militar em nosso estado foi a preparação para o comício do dia 29 de março na Praça do Pirulito (Parque Rodolfo Lins), que mobilizava as lideranças de esquerda, principalmente os militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e os trabalhadores que se organizavam nos sindicatos ligados à Central Geral dos Trabalhadores (CGT), com destaque para o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo.
Esse comício aconteceria após o Comício da Central do Brasil realizado no dia 13 de março no Rio de Janeiro, que teve a participação de 150 mil pessoas e serviu de palco para o anúncio, por pare do presidente João Goulart, da desapropriação das refinarias de petróleo que ainda não estavam nas mãos da Petrobrás e das reformas agrária e urbana, além da concessão de voto aos analfabetos e aos quadros inferiores das Forças Armadas.
O entusiasmo da esquerda alagoana se dava porque o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, estaria presente nesse comício, mesmo enfrentando as ameaças que os segmentos ligados à agroindústria da cana faziam, de que estariam armados e concentrados na Praça Sinimbu para impedir o comício e a entrada em território alagoano de Arraes.
O foco das articulações era o prédio de nº 110 da Rua 2 de Dezembro, no Centro de Maceió. Ele abrigava as sedes da CGT e de vários sindicatos e recebia, diariamente, lideranças políticas que buscavam informações sobre o agravamento da crise política gerada pelo anúncio das chamadas Reformas de Base.
Na Câmara Municipal de Maceió, o vereador Juvêncio Lessa apresentou um requerimento de repúdio a esse ato. Nilsom Miranda, que também era vereador e dirigente do PCB, não gostou e rasgou o requerimento aprovado. Esse gesto seria utilizado, dias depois, como desculpa para a cassação do seu mandato, que ocorreu em sessão do dia 4 de abril, quando ele já estava foragido.
O médico Luiz Nogueira, que teve militância política no período do golpe, lembra que os ânimos estavam exaltados e que foi Jayme Miranda quem aconselhou que o ato não deveria acontecer e que Miguel Arraes não deveria vir a Alagoas. Entre os segmentos alagoanos que se preparavam para derrubar João Goulart, a preocupação com Arraes existia por ter circulado o boato que ele chegaria a Alagoas com um trem carregado de armas e de guerrilheiros para reforçar os comunistas. Temendo as tropas de Arraes, os senhores das usinas armaram um pequeno exército na Praça Sinimbu.
E assim, no dia 29 de março não aconteceu o comício da Praça do Pirulito e nem Arraes invadiu Alagoas, mas os jornais anunciaram que, no dia seguinte, o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, estaria em Maceió e seria recebido pelo governador, general Luiz Cavalcante, para inaugurar a Vila Kennedy, num gesto de amizade da Aliança para o Progresso, um programa dos EUA para demonstrar boa vontade com outros povos. Os trabalhadores e o PCB realizaram um ato em apoio às reformas de base na sede da CGT.

abaixo_a_ditadura576651º de Abril

Exemplar de A Voz do Povo

A Voz do Povo

O primeiro ato da Ditadura em Alagoas foi calar a imprensa que atuava contra os golpistas. O semanário “A Voz do Povo”, jornal do PCB dirigido por Jayme Miranda, foi invadido e teve seus equipamentos quebrados, jogados na rua e queimados. O jornalista Anivaldo Miranda, que era do PCB e trabalhava no jornal, recorda que os agentes do Dops receberam ajuda da juventude fascista da Patrulha Nacional Cristã, um agrupamento liderado pelo professor de francês Vanilo Galvão Barros. “Todos que odiavam os comunistas, sindicalistas, se dirigiram para a Voz do Povo para invadir o jornal, empastelar sua sede, quebrar as suas máquinas e fazer fogueira com seus móveis e papéis em plena rua, em cena de vandalismo que não se via em Alagoas desde os tempos coloniais”.
O jornalista Ricardo Neto também lembra do empastelamento da “Voz do Povo”. “Vi pela janela do jornal Gazeta, junto com Batista Pinheiro, Ilmar Caldas e Zadica, quando a Polinter começou a quebrar tudo. Todos de metralhadora. Uma lembrança muito viva, pela violência como se deu. Para mim, foi um choque. Aí nós caímos na real. Eu era repórter de polícia e o chefe da Polinter, que eu conhecia, estava lá”.
O Jornal de Alagoas, na sua edição de 5 de abril de 1964, informa que o chefe geral da Polinter, Albérico de Barros, “ocupou o jornal comunista ‘A Voz do Povo’, onde conseguiu apreender grande quantidade de importantes documentos entre os quais um deles que visava a eliminação de altas autoridades de Estado de Alagoas”.
A Rádio Progresso também foi atingida pelas forças golpistas. Já no dia 31 de Março, pela manhã, teve a sua transmissão interrompida por ter “transmitido programação subversiva”. Somente voltou a transmitir na tarde do dia 3 de abril, sem o radialista Castro Filho, que conseguiu fugir mas foi preso dias depois em Palmares, Pernambuco.
Anivaldo Miranda recorda que foi despertado no dia 1º de Abril pelo seu primo Hélio Miranda, avisando que o golpe estava na rua. “Tomamos um café rápido e fomos para a rua. Não tínhamos noção da real situação. Logo depois, sentiríamos na carne que o golpe viria para valer. Fomos para a União Estadual dos Estudantes (UEEA), montamos um serviço de autofalante e começamos a tocar os hinos convocando os estudantes e o povo a resistir, chamando para uma passeata para 15 horas”.
Com as informações das primeiras prisões, Anivaldo e seu irmão Vladimir tiveram que fugir e ficaram escondidos em um sítio no Trapiche da Barra. Depois foram levados para o Hotel Atlântico. “Era o último lugar que alguém da ditadura imaginaria nos encontrar. Os políticos da Direita golpista diziam que os porões do Hotel Atlântico estavam cheios de armas de Cuba. Era uma invenção grotesca porque naquelas circunstâncias do golpe, havia um plano para invasão do hotel e assassinato de toda a família Miranda, caso a resistência ao golpe descambasse para algum conflito armado”.

Gazeta apoiava o golpe

Gazeta apoiava o golpe

Uma rápida pesquisa em jornais da época revela que foram presas nos primeiros dias do Golpe Militar em Alagoas as seguintes pessoas: Alan Rodrigues Brandão, Alcides Correia do Nascimento, Amaro Bezerra Cavalcante, Antônio Pinheiro de Almeida, Antônio Saturnino do Nascimento, Auro Calazans de Albuquerque, Avelino Francisco da Silva, Cícero Martins de Oliveira, Dirceu Lindoso, Dorival de Araújo Lins, Eliezer Francisco de Lira, Ernande Maia Lopes, Etevaldo Dantas dos Santos, Etiene Pires de Melo, Gerson Ferreira de Souza, Gerson Rolim de Moura, Gilberto Soares Pinto, Jari Braga, Jayme Miranda, João Araújo, Jonas Paulino de Oliveira, Jorge Lamenha Filho Marreco, José Alípio Vieira, José Cabral Irmão, José de Sá Cavalcante, José Gomes da Silva, José Gonçalves de Lima, José Graciano dos Santos, José Lopes da Rocha, José Moura Rocha, José Nunes de Almeida, Josenildo Ferreira, Luiz Gonzaga Alves, Luiz Silva Barros, Manoel Hermógenes Gomes da Silva, Manoel Lisboa Filho, Manoel Moreira da Silva, Maria Augusta Neves de Miranda, Marinete de Araújo Neves, Mário César Viana de Melo, Mário Correia da Silva, Mário Rodrigues Calheiros, Miguel Bertoldo da Silva, Ogelson Acioly Gama, Pedro Epifanio dos Santos, Petrúcio Lages, Renalvo Siqueira, Roland Benamor, Roline Sond Cavalcanti Silva, Rubens Colaço, Teófilo Alves Lins, Waldomiro Pedro da Silva, Walter Pedrosa.
Entre os presos, somente Rubens Colaço foi torturado fisicamente pela equipe do delegado Rubens Quintella. Sobre o destino dos detidos, ficava a ameaça de que seriam transferidos para a Ilha de Fernando de Noronha. Circulava o boato que durante o trajeto, alguns dos presos eram atirados ao mar.
Consumado o Golpe, sem nenhum obstáculo, os golpistas foram às ruas. A Gazeta de Alagoas do dia 3 de Abril divulga que o “maceioense festejou a vitória da Democracia”. Na chamada da matéria, o jornal diz que houve uma “passeata monstro” com milhares de pessoas. Os personagens dessa manifestação, que fechou o comércio e teve missa, eram: Movimento Democrático Feminino, Colégios católicos, Conservatório Brasileiro de Música (secção Alagoas), Patrulha Nacional Cristã, Associação Comercial, Federação das Indústrias e Clube dos Lojistas. A missa em Ação de Graça foi celebrada pelo então Arcebispo de Maceió, Dom Adelmo Machado. Foi realmente uma manifestação “monstro”.


ediberto ticianeli* O autor Edberto Ticianeli é jornalista, ex-vereador de Maceió (1983/88), ex-militante do PCdoB, atualmente é membro do diretório Estadual do PT de Alagoas. Ex-secretário estadual de Cultura. Foi líder estudantil durante a Ditadura Militar. Fundador e dirigente da Sociedade Alagoana de Defesa dos Direitos Humanos – SADDH.