Geral

Zumbi: ‘O Tigre dos Palmares’

20/11/2013
Zumbi: ‘O Tigre dos Palmares’

Zumbi foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial. Zumbi nasceu na então Capitania de Pernambuco, na serra da Barriga, região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, em Alagoas.
O Quilombo dos Palmares era uma comunidade, um reino (ou república na visão de alguns) formado por escravos negros que haviam escapado das fazendas, prisões e senzalas brasileiras. Ele ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal. Naquele momento sua população alcançava por volta de trinta mil pessoas.
Zumbi nasceu na Serra da Barriga, livre, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado ‘Francisco’, Zumbi recebeu os sacramentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa. Apesar destas tentativas de assimilação cultura, militar respeitável quando chegou aos vinte anos.
Em ensaio abaixo do professor da UFAL Aloisio Vilela de Vasconcelos, Tribuna do Sertão relembra o heroi negro que ganhou repercussão nacional através de sua liderança no Quilombo dos Palmares, último foco de resistência dos escravos brasileiros localizado na Serra da Barriga em União dos Palmares.

 

Zumbi, o tigre dos Palmares

   1.         Nascimento, criação e fuga

Conta-se em duas cartas que existiam na casa da marquesa de Cadaval e que felizmente “foram copiadas em 1978, a pedido do historiador Décio Freitas”, antes que fossem “roubadas por um pesquisador disfarçado de paralítico em cadeira de rodas” que, quando Francisco Barreto era governador da Capitania de Pernambuco, Brás da Rocha Cardoso, em 1655, comandou uma expedição punitiva aos Palmares. Em determinado quilombo, que se desconhece o nome e a localização foram, como sempre, efetuadas algumas prisões. Entre os prisioneiros, constava uma criança negra recém-nascida. Esta criança foi entregue a um padre chamado Antônio de Melo que, movido pela compaixão, batizou-a com o nome de Francisco, criou-a, educando-a nos moldes destinados exclusivamente aos filhos brancos dos poderosos senhores de engenho, ensinando-a a falar português e latim e tornou-a seu coroinha.
Tudo isto aconteceu nas colinas verdejantes de Porto Calvo, de onde se ouvia o cantar das aves e o som guerreiro dos tambores dos quilombos nas florestas dos Palmares.
Numa bela noite de luar de 1670, “Francisco”, ainda com quinze anos, tomou uma decisão inaudita: abandonou a vida sossegada e cheia de paz sob a proteção da Igreja e internou-se nas matas dos Palmares onde não havia nada para ele, a não ser a dor, a guerra e o sofrimento.
Bela história, mas não parece uma lenda?
Verdade, sendo o conteúdo desta “Carta”, como explicar esta decisão?
Só existem duas possíveis explicações: a primeira, porque ela simplesmente obedecia ao inatendível chamado dos deuses africanos, encarnava sua revolta contra as injustiças praticadas contra seus semelhantes na zona urbana e atendia ao secular clamor dos que pertenciam a sua raça e “Francisco>Zumbi” sentia-se predestinado a ser o libertador e, segundo, ele era extremamente maltratado pelo Padre que o criou e apenas procurava uma oportunidade para fugir para os quilombos e se juntar aos seus.

 2.         De “Coroinha” a Zumbi

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Vista parcial da Cachoeira da Serra dos Dois Irmãos. Note-se como a erosão “esculpiu” o que parece dois “rostos” bastante danificados.

Sem uma alta dose de especulação e fantasia, é impossível imaginar o que aconteceu no período compreendido entre a fuga de Zumbi e a morte de Ganga Zumba. Ao chegar num dos muitos quilombos que constituíam a região conhecida como Palmares, Francisco ficou horrorizado e terrivelmente frustrado. Horrorizado com as conseqüências da guerra, o sofrimento, a fome e a falta de esperança dos palmarinos, seu povo. Observou que o desespero era maior porque apesar do clamor os deuses ainda não tinham enviado alguém que soubesse liderá-los contra as constantes invasões dos brancos deixando, portanto, de ouvir as suas preces e atender os seus pedidos. Frustrado, porque para lá tinha se dirigido com o objetivo de explicar que vivemos num planeta onde há espaço para todos e que nossa missão aqui não é competir nem nos digladiarmos, mas nos ajudarmos mutuamente e convivermos harmoniosamente; que também tomara conhecimento da doutrina pacifista Daquele que teve a coragem de sacrificar sua própria vida na cruz para ensinar ao     mundo que as verdadeiras revoluções são aquelas que se processam “dentro de nós mesmos” ao praticarmos o amor ao próximo; as efetuadas através da violência, além de regadas com um banho de sangue, são efêmeras e características de bárbaros; que somos diferentes dos animais porque enquanto vivos somos dotados de uma alma que ao morrermos transforma-se em espírito e será ele o julgado perante o Tribunal Divino segundo nossas atitudes em vida e, finalmente, que os verdadeiros laços familiares não são os estabelecidos pela consangüinidade, pois perante Deus o que torna um ser humano irmão do outro é a ligação espiritual e não a consangüínea, ou seja, os verdadeiros irmãos são aqueles que estão unidos espiritualmente e não consanguineamente porque entre irmãos espirituais não há inveja, disputa, rancor, brigas e mortes. Mas, diante de tanta miséria, calou-se e, mudo, chorou. As lágrimas que rolaram de seus olhos eram iguais a gigantescas catadupas e por virem do fundo de sua alma, queimaram-lhe a face como a lava     de um vulcão que, por onde passa, tudo incinera deixando a marca da destruição e da devastação. Houve, então, uma brusca mudança na personalidade do coroinha e aí o chamado dos deuses africanos foi muito mais poderoso. Começou, então, a falar. Todos pararam para escutá-lo. Em pouco tempo reconheceram que estavam diante de um líder nato, de alguém virtuoso e hábil que convencia e dominava pela firmeza e coragem. De um guerreiro por vocação, pois sentiram que sua função era liderar as grandes lutas que salvariam seus semelhantes da escravidão. Atônitos, entreolhavam-se e perguntavam-se: “Os deuses, por fim, ouviram nossas preces? Será que estamos diante do escolhido?”.
Tinham de ter certeza que ele era, realmente, o enviado. Para isto, tornava-se imprescindível a realização do ritual apropriado: aquele que tem a finalidade de liberar o que está contido em outras dimensões, ou seja, o bem ou o mal. Este ritual só podia ser realizado com a autorização do Conselho porque o voluntário corria sério risco de vida: se não fosse o escolhido podia morrer, pois uma ou mais entidades africanas seriam invocadas e através dele se manifestariam. A energia oriunda de sucessivas possessões seria fatal. Reuniram o Conselho. Depois de horas e horas de calorosas discussões, a permissão foi concedida. Relataram, minuciosamente, ao jovem Francisco tudo o que poderia ocorrer. Diante de um quadro de tanta calamidade ele, que aos olhos de todos representava a esperança, concordou em atender o apelo dos anciões e se submeter ao perigoso ritual. Levaram-no, acredito, para o espaço litúrgico circunscrito a Cachoeira da Serra dos Dois Irmãos, que ainda hoje está a exigir um estudo geológico e     geomorfológico.
Para eles, um lugar de mistério: visto e visitado por vivos e mortos. De sonhos e pesadelos. Um lugar onde se processam as inversões. De pesadelos que são sonhos e sonhos que são pesadelos. De escuridão e claridade espiritual. De encontro do divino com o humano, do espírito com a matéria, do sagrado com o profano. Onde há desejo e repúdio. Ódio e amor. Desespero e esperança. Vingança e perdão. Onde as auroras e os dias são escuros e as noites e os crepúsculos são claros. As sombras rondam a claridade e as trevas penetram na luz. Onde o Intangível é tangível e a morte é vida e a vida é morte. Com certeza, um portal inter-dimensional. Um local onde o Universo, como uma donzela que no cio fica nua, mostra suas belas formas e não permite que saiamos de dentro de si até que a saciemos completamente, despe-se e mostra sua verdadeira natureza: a ondulatória e corpuscular, ou seja, a andrógina, a masculina e feminina. Levaram-no para lá, porque na época, circundavam-na gigantescas florestas, existia abundância de ág        uas cristalinas, grande diversidade de caça e muita rocha. Elementos essenciais para a manifestação de formas de vida superiores que, por viverem em outra dimensão de espaço e tempo, iriam indicar qual o seu destino.
Para identificar, agradecer e satisfazer os “Protetores”, que se fariam presentes, prepararam vários tipos de obás, incluindo espécies vegetais, e escolheram muitos animais e aves para o sacrifício.  Iniciaram o ritual.  Nos instantes seguintes, viram o jovem Francisco contorcer-se e debater-se violentamente.   Utilizar, a princípio, uma linguagem diferente de tudo o que até então tinham ouvido, tinham escutado. Ele estava totalmente possuído. Consumada a possessão, reinou a calma. Após olhar para todos, dirigiu-se às oferendas. Naquele momento, ele escolheu inhame, axoxó, arroz, milho com coco, feijão, bode, miúdos de boi, galo, guiné, cachaça, pimenta e sal. Quem estava ali era OGUM e OXÓSSI. O primeiro era considerado o temível “Senhor do Ferro e da Guerra” e o segundo, o “Rei das Florestas Tropicais e Protetor da Fauna”. Fizeram, então, as respectivas saudações: “Ogunhê”! “Okê”!
Algum tempo depois, quando pensavam que tudo havia terminado, para espanto de todos, o corpo de Francisco ficou exânime. De repente, novamente “Francisco” entra em violento transe. Viram-no desafiar a gravidade, isto é, levitar, modificar a tonalidade da voz e o próprio físico e dirigir-se aos sacrifícios. Desta vez, ele escolheu o amalá, o carneiro, o cágado, o galo e o pato. O orixá presente era XANGÔ, o temível “Senhor da Justiça”. Temerosos e cheios de espanto, o saudaram: “Kawó-Kabyesilé”!
Francisco foi, por determinação dos orixás, “rebatizado” com o nome africano ZUMBI. Nome que, em quibundo, designava alguém imortal. O ápice da cerimônia foi atingido quando OGUM, OXÓSSI e XANGÔ entregaram a Zumbi suas armas pondo sobre seus ombros a responsabilidade de, a qualquer preço, defender os marginalizados e excluídos e, principalmente, quando repassaram para ele parte de seus poderes sobrenaturais, ato que simbolizava a imortalidade de sua luta. Como receptor, ele tornara-se um poderoso acumulador de forças oriundas de formas de vida cuja existência pertence a outras dimensões. Como todo acumulador, todo o poder estava reunido e estocado nele. Não demoraria muito para que a manifestação desta energia se fizesse visível. Zumbi tinha se tornado o guerreiro da vingança, o guerreiro da justiça. Vingança exige derramamento de sangue. Exige morte. E isto vai de encontro ao sentido da criação. Mas, o que fazer? Ele não viveria com nenhum drama de consciência porque foram “Forças Superiores” que decidiram     o seu destino.   Com o novo batismo, Francisco estava morto para o mundo dos brancos, porém mais vivo do que nunca para os de sua raça. A notícia rapidamente se espalhou e os quilombos comemoraram com intermináveis festas e renderam as mais justas homenagens ao primeiro guerreiro escolhido pelos seus deuses para regê-los e governá-los. Pode parecer fantasia, mas esta, como veremos, é uma das explicações possíveis para a sua rápida ascensão.
Os palmarinos, no entanto, tinham um rei. Apesar de ser o escolhido, OGUM, OXÓSSI e XANGÔ ordenaram, expressamente, a Zumbi que não fosse de encontro à hierarquia vigente a não ser que algum fato anormal acontecesse. Eis o verdadeiro “por que” de seu silêncio. O verdadeiro “por que” durante anos ele manteve-se, pode-se dizer, em total anonimato.  Ganga Zumba, o rei, ficou alarmado quando soube que o motivo daquelas infindáveis comemorações se devia a escolha divina de outra pessoa para ocupar seu lugar.  Não tinha coragem para ir de encontro à vontade dos deuses. Mas podia criar situações, mesmo que fossem as mais vergonhosas, para continuar mantendo o status real. A gota d’água caiu quando, devido a expedição comandada por Fernão Carrilho em 1677, com medo de Zumbi, propositadamente, aceitou negociar a paz. O golpe de misericórdia em sua vida ocorreu devido à assinatura do Pacto de Cucaú.
Por ter sido escolhido por entidades que pertencem a outro nível existencial, seu nome e destino tornaram-se inseparáveis. Cedo, iniciou sua árdua jornada. Cedo, muito cedo, mostrou o seu valor e obteve suas primeiras vitórias vencendo os mais experientes comandantes de expedições anti-palmarina.

Vista parcial da Cachoeira da Serra dos Dois Irmãos. Note-se como a erosão esculpiu o que parece dois “rostos” bastante danificados.

Vista parcial da Cachoeira da Serra dos Dois Irmãos. Note-se como a erosão esculpiu o que parece dois “rostos” bastante danificados.

    3.         Periodização da História de Zumbi

Hoje o “ouro negro” do mundo ocidental é o petróleo. Na época de Zumbi o “ouro negro” era o negro arrancado da África que, aqui transformado em escravo, era utilizado para produzir o “ouro branco” que servia para enriquecer cada vez mais uma minoria de psicopatas que se consideravam acima da lei, acima do bem e do mal, inatingíveis. Foi contra isto que Zumbi se rebelou. O “Tigre dos Palmares” não foi um conde, um príncipe ou um rei imaginário envolvido em façanhas mitológicas. Ao contrário, foi um escravo, ou seja, um ninguém, com certeza filho de outro ninguém que viveu numa época em que o ódio e a violência causada pela discriminação racial tinham alcançado o seu ápice. No entanto, ele não foi um resignado, pois lutou, até o seu sádico assassinato, com todas as suas forças contra este nefasto preconceito que destrói a auto-estima, causa a exclusão social e torna o ser humano um estigmatizado. É justamente isto que o faz ainda mais merecedor de admiração. É possível dividir sua participação na histór    ia de Palmares em três períodos: o “pré-histórico”, o “proto-histórico” e o “histórico”.

   3.1       O PERÍODO PRÉ-HISTÓRICO

O período “pré-histórico” inicia com o seu nascimento que na versão oficial se deu possivelmente em 1655, num dos inumeráveis quilombos que existia no imenso território de Palmares e finda com a primeira referência a seu nome que, segundo Décio Freitas, ocorre quando ele, com apenas 17 (dezessete) anos, derrota Antônio Jacome Bezerra, em 1672.

    3.2       O PERÍODO PROTO-HISTÓRICO

O período “proto-histórico” abrange os anos compreendidos entre 1672 e o Pacto de Cucaú, isto é, o final de 1678. Ele é caracterizado por testemunhos escritos escassos e brevíssimas alusões as suas ações. Em todo este período, sobre Zumbi, existe apenas na “Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do Governador D. Pedro de Almeida, de 1675 a 1678”, menção ao “Quilombo de Zumbi” e a informação de que numa expedição anti-palmarina comandada por Manuel Lopes Galvão,
“se feriu com uma bala o general das armas, que se chamava Zumbi, que quer dizer deus da guerra, negro de singular valor, grande ânimo e constância rara. Este é o espectador dos mais, porque a sua indústria, juízo e fortaleza aos nossos serve de embaraço, aos seus de exemplo. Ficou vivo, porém aleijado de uma perna”.

    3.3       O PERÍODO “HISTÓRICO

A história de Palmares é constituída pelo desenfreado envio de sucessivas levas de expedições anti-palmarina que, inúmeras vezes, impuseram aos palmarinos trágicas derrotas. Seus escusos objetivos eram efetuar prisões e capturar crianças de ambos os sexos, mulheres e homens independente da idade para, uma vez escravizados, trabalhar como burro de carga para seus senhores e destruir todas as criações e plantações que os quilombolas, com seu “sangue, suor e lágrimas”, tinham conseguido.
Marchar e lutar contra os quilombos dos Palmares era uma tarefa difícil e perigosa. Aqueles que abandonaram seus lares e arriscaram sua própria vida na tentativa de conquistar um mocambo para adquirir uma “presa”, muito sofreram, pois além da preocupação com a escassez de soldados, munição de boca, completo desconhecimento da região onde se localizavam os diversos quilombos, tinham de enfrentar toda uma outra gama de problemas relacionados com a flora, a fauna, a topografia, as emboscadas e o tipo de guerra dos palmarinos que muito mais tarde seria imitado pelos russos quando da invasão de seu território pelas forças napoleônicas e os atrozes assassinos nazistas: quando avisados, a tempo, da aproximação dos invasores, destruir tudo, abandonar o local e deslocar as pessoas para outro ponto muito mais distante.    Do início do século XVII até o ano de 1674, foram enviadas várias expedições contra os quilombos. No entanto, o raquitismo dos sucessos obtidos não compensava as despesas nem a difícil tarefa que era     marchar e lutar contra os Palmares. No início do Ano da Graça de 1674, assumiu a direção da Capitania de Pernambuco D. Pedro de Almeida. Decidido a continuar a política de seus predecessores – destruir os mocambos – convidou o Capitão-mor Fernão Carrilho para comandar as futuras entradas. O resultado de uma delas, a entrada de 1677, foi à aceitação da paz por Ganga Zumba, pois em novembro de 1678, pela primeira e única vez, as autoridades coloniais portuguesas e os soberanos de Palmares celebraram a paz mediante as seguintes condições: a partir daquela data, aceitariam os palmarinos como “vassalos da coroa”; eram livres os que nascessem em Palmares; concordassem com o fornecimento de terra para trabalharem, a comercialização da produção com os brancos e a entrega das mulheres e filhos que viviam no mais tenebroso cativeiro, isto é, a extinção da escravidão para eles.
Proposta feita, acordo cumprido: pouco depois, Ganga Zumba, “os apotentados de três mocambos” e centenas de palmarinos viviam em Cucaú, “região de terras férteis cobertas de mata virgem, distante 32 quilômetros de Serinhaém” solicitada por eles às autoridades portuguesas.
Zumbi, inconformado com este acordo e com o término da guerra contra a escravidão, ao ser comunicado que devia ter o mesmo comportamento, ou seja, acompanhar os outros chefes de quilombo, como não confiava no verbo e na escrita das autoridades coloniais portuguesas, não só permaneceu nas densas florestas de Palmares com seus adeptos, respondendo com “escusas cautelosas” os convites e avisos para que fosse viver em Cucaú como, acertadamente, continuou com as hostilidades “causando grandes danos e mortes aos moradores daqueles distritos”.
O caso Cucaú mostra, em detalhes, que a hierarquia que reinava em África entre os componentes de uma mesma tribo ou entre tribos diferentes permanecia a mesma até o tempo do Pacto de Cucaú, pois mesmo Ganga Zumba tendo confiado nas autoridades coloniais portuguesas o que, de maneira alguma, deveria ter feito e permitido que seus semelhantes continuassem a vir nos terríveis e macabros “Navios Negreiros”, ele, Ganga Zumba, continuou sendo considerado o rei dos Palmarinos quando estava em Cucaú.
O Pacto de Cucaú foi radicalmente rejeitado porque Zumbi além de não confiar no verbo e na escrita das autoridades portuguesas não aceitava viver em liberdade sabendo, que tanto na zona urbana quanto na rural da Capitania de Pernambuco, a honra de milhares e milhares de homens e mulheres de sua cor continuava a ser maculada através do instituto da escravidão. Isto era inadmissível. Foi contra isto que ele lutou até derramar a última gota de seu sangue.  Foi por causa disto que ele permaneceu nas florestas dos Palmares. É a partir daí que as fontes históricas referentes à sua pessoa são numerosas e a grande maioria das informações corretas e confiáveis. Começa, portanto, o período “histórico” de sua conturbada vida que se caracteriza pelas inúmeras vitórias impostas aos seus adversários e termina com o seu sádico assassinato.
Isto, para Zumbi, era inaceitável e inadmissível. Soava aos seus ouvidos como uma traição inaudita. Além do mais, por que os escravos não só de seu quilombo, mas de outros o acompanharam? Por vontade própria, temor ou obediência?
Decidido a acabar com ato tão vergonhoso por parte do rei e necessitando de respostas dos que lá estavam tomou uma atitude que o tornou mais conhecido, corajoso, valente e respeitado além de ficar gravada na memória de todos para sempre: pela primeira vez na história de Palmares um chefe de quilombo planejou e mandou executar Ganga Zumba, o seu rei.
Mas, como executar um rei que vivia num local que era cercado pelas forças militares das autoridades portuguesas, vigiado por inúmeros guardas e, ainda mais, lhe causar uma morte sem o barulho do estampido das armas de fogo e a gritaria e incerteza provocada pelas armas brancas?
Só havia uma maneira: contatar pessoas que vivessem em Cucaú e tivessem intimidade com o rei, mas que comungassem com sua causa e fossem capazes de por em prática seu plano utilizando uma arma totalmente diferente.
Encontrou quem procurava na coragem dos escravos João Mulato, Canhongo, Amaro e Gaspar.
Qual arma foi utilizada para tornar moribundo, Ganga Zumba? Uma que não fazia barulho e nem deixava margem para incertezas: a peçonha, isto é, o veneno retirado de cobras que, uma única picada, era fatal.
Desnecessário é dizer que quem executou o plano sabia não só de qual serpente ou serpentes, devia retirar o perigosíssimo veneno, mas também como manipulá-lo. Esta foi à maneira planejada para retirar a vida de Ganga Zumba. Como veremos mais adiante, a morte de Ganga Zumba a peçonha foi muito mais do que um assassinato: foi um recado.
Do ponto de vista político, o que significou retirar Ganga Zumba de cena? Nada mais do que um golpe de Estado seguido de uma encarniçada luta. Em outras palavras, foi Zumbi quem, nas Américas e em solo brasileiro, o primeiro a fazer uma revolução para livrar o Brasil da escravidão e das aberrantes diferenças sociais entre os seres humanos.
A sua inédita e perigosa – os palmarinos que viviam em Cucaú podiam se voltar contra ele – atitude, só lhe trouxe dividendos, pois a partir daí ele, e somente ele, se torna a única autoridade em Palmares.
A partir da eliminação de Ganga Zumba, o maior traidor da causa palmarina, e da conseqüente destruição do Pacto de Cucaú, em 1680, tem início o “período histórico” de sua vida que, por sua vez, coincide com o início de sua fase adulta, encontra-se fartamente documentado e, de acordo com a versão até agora aceita, tem seu término no dia 20 de novembro de 1695.

    ZUMBI: O FERIMENTO NA PERNA

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Em 1676, com vinte e um anos, ensina a grande maioria dos historiadores, baseados na “Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do Governador D. Pedro de Almeida, de 1675 a 1678”, que Zumbi foi ferido à bala, numa perna, por Manuel Lopes Galvão. Ferimento que o deixaria “coxo” (Fig. 06).
Não considero esta opinião totalmente inaceitável. Acho, porém, que ela é passível de discussão porque um dos aspectos da vida militar de Zumbi que mais impressiona é a sua extrema mobilidade: ele percorria a imensa e difícil região palmarina com uma rapidez inacreditável. Em pequenos espaços de tempo irrompia nos mais diversos e distantes locais. Fato que, por várias vezes, deixou seus algozes perplexos.
Nós perguntamos: como uma pessoa que guiava guerreiros, conduzia e cuidava de mulheres, velhos, velhas e crianças e ainda era aleijado de uma perna, podia se movimentar tão rápido nas intransitáveis e perigosas selvas palmarinas?
Para explicar este fato, há três hipóteses: a primeira, é que ele tinha um irmão gêmeo.  A segunda aceita a idéia de ter existido uma única pessoa com o nome de Zumbi só que não foi ferida em 1676. Mas se ela não foi ferida em 1676, por Manuel Lopes Galvão, quando aconteceu o ferimento, quem a feriu e onde? A terceira, mais apimentada, refere-se à possibilidade de várias pessoas terem adotado, sucessivamente, o nome Zumbi.

    1.         A Primeira Hipótese: Zumbi possuía Irmãos?

    Zumbi possuía irmãos? Em caso positivo, quantos? Quais os nomes?

A primeira “cópia avulsa” do documento “Descrição com notícias importantes do interior de Pernambuco, como Rio de São Francisco, Porto Calvo, Palmares, Cabo de Santo Agostinho, as distâncias de uns lugares aos outros, etc.”, foi descoberta pelo Conselheiro Drummond, na Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, e publicada na Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro, em 1859, no tomo XXII, pp. 303/329.
Outras duas cópias foram encontradas em 1974, pelo historiador Décio Freitas Décio Freitas no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa e na Biblioteca Nacional de Lisboa.
Estas duas cópias, ao referirem-se aos nomes dos principais quilombos e sua localização, afirmam que Zumbi tinha, sim, um irmão que se chamava Andalaquituxe.
(Grifo nosso)
Frei Loreto do Couto, no Livro Sexto, “Pernambuco Ilustrado pelas Armas”, Capítulo 10º, “Memórias de Henrique Dias e de Outros Pretos, Que Ocuparam Postos Honoríficos e se Fizeram Famosos Pelas Armas”, item 126, comentando uma expedição anti-palmarina comandada por Domingos Rodrigues Carneiro, também afirma que Zumbi tinha um irmão cujo nome era Camoanga.
(Grifo nosso)
Ivan Alves Filho em seu muito bem documentado “Memorial dos Palmares”, referindo-se as capturas que ocorreram por ocasião da entrada de Fernão Carrilho em 1683 diz, na página 104, que “Os militares lograram realizar ‘algumas capturas’ entre as quais, possivelmente, dois sobrinhos de Zumbi”.
(Grifo nosso)
Às páginas 108/109, ao citar os resultados de uma entrada realizada em 1687, comandada por Domingos Carneiro, volta a dizer que “Alguns palmarinos teriam sido mortos na fuga, enquanto as tropas capturam um ‘sobrinho de Zumbi’”.
(Grifo nosso)

Veja-se que esta primeira hipótese encontra arrimo em duas fontes históricas primárias e numa secundária. Além do mais se Zumbi possuía “sobrinhos” era porque tinha irmão(s) ou irmã(s).  O que difere é o nome, pois enquanto as fontes primárias são unânimes em afirmar que o irmão de Zumbi chamava-se “Andalaquituxe”, a secundária diz que era “Camoanga”. Quer isto significar a existência de dois irmãos? Além destes havia mais algum que era o gêmeo de Zumbi? Ou tudo não passa de invenção? De mal entendido? De falsidade ideológica? Sinceramente, estas são perguntas que, acredito, ninguém tem como responder.

    2.         A Segunda Hipótese: há outra data para o ferimento de Zumbi?

A resposta para esta hipótese iremos buscar no documento nº. 54 do livro “As Guerras nos Palmares” (subsídios para a sua história), de Ernesto Ennes, onde Domingos Jorge Velho afirma que por ocasião da queda da Fortaleza, em 06 de fevereiro de 1694, Zumbi não morreu, mas sim, “levou duas pelouradas” e que sua morte deu-se somente “em vinte de novembro de seiscentos e noventa e cinco”.
O que significa pelourada? Segundo o Aurélio, pelourada é um “tiro de pelouro” e pelouro é uma “bala de ferro ou de pedra, esférica, empregada antigamente em peças de artilharia”.
Qual a importância da afirmação de Domingos Jorge Velho? Simplesmente saber quem cometeu o engano. Nunca é demais lembrar que a busca da verdade é a função da ciência. No caso em tela, isto significa dizer que se o ferimento ocorreu em 1676, a afirmação de Domingos Jorge Velho é falsa. Se, no entanto, Zumbi foi ferido por ocasião da destruição da Fortaleza, o que é mais provável – hipótese que, reconheço, vai de encontro ao que comumente se ensina, mas que é perfeitamente plausível porque explicaria sua agilidade dentro das matas dos Palmares – então, por maior que seja a nossa perplexidade e o nosso conservadorismo, teremos que admitir que houve “equívoco” por parte de quem forneceu as informações para aquele que escreveu a “Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador Dom Pedro de Almeida, de 1675 a 1678”. Além do mais até agora, tradicionalmente e oficialmente falando Zumbi só foi ferido uma única vez e estas duas peças históricas são as únicas, até agora descobertas, atest    adas e testificadas, a informar que ele, antes de seu assassinato, fora vítima do mencionado ferimento. Sei que os estudiosos, principalmente os mais conservadores, vão demorar a aceitar ou mesmo recusar esta hipótese porque às vezes a verdade encontra-se tão perto de nós que nos deixa cegos. Contudo, acredito que mais cedo ou mais tarde, terão de se ajustar a mesma, pois a confirmação do que afirmo encontra-se amplamente documentada. Desde já, e independentemente do posicionamento deste ou daquele estudioso, sou partidário da versão de que o ferimento e Zumbi só ocorreu em seis de fevereiro de 1694, porque me parece ser esta data a mais plausível para tal acontecimento.

   3.         A Terceira Hipótese: Existiu mais de um Zumbi?

Tornou-se comum acreditarmos na existência, em Palmares, de uma só pessoa com o nome de Zumbi. Esta conduta, devido ao hábito cultural daqueles que demonstram interesse pelo assunto e insistem nesta opinião, nos é apresentada como única verdade. E se esta “verdade” for passível de discussão? E se ela não passar de um mito criado pela falta de um observador perspicaz ou pelo infeliz descuido daqueles que consultaram as fontes históricas primárias? Longe de mim está a idéia de pretender ou querer ser o dono da verdade. O máximo que posso fazer é, dentro de minhas possibilidades, se possível, modestamente contribuir para corrigir algo que já está totalmente cronificado.
Sei, perfeitamente, que o problema de encontrarmos informações que afirmam a existência de várias pessoas que possuíam o nome de Zumbi (às vezes escrito Zambi ou Zombi), é delicado porque nos põe diante de uma encruzilhada. O que devemos fazer? É elementar o dito de que toda encruzilhada, quando não temos certeza do caminho a seguir, nos deixa confuso. Diante disto, o que temos a obrigação de fazer é, antes de tudo, antes de seguir qualquer que seja o caminho, discutir o rumo a ser tomado. Se assim não fizermos estaremos correndo o risco de cairmos num abismo: o abismo da mesmice e do nada disse de novo, pois o ideal é, além de descobrirmos que tal ou qual explicação é errônea ou insuficiente, apresentarmos, se possível, uma solução.
Quero deixar claro que de acordo com determinados estudiosos os documentos que nos informam que no decorrer do tempo houve a morte de mais de um Zumbi sofrem de uma terrível deficiência: são acusados de ser o produto de falsidade ideológica. Isto não nos parece muito correto porque, como veremos, há probabilidade desta hipótese não está totalmente fora de cogitação. Contudo, por se tratar de assunto muito importante será o leitor quem irá formando suas idéias sobre os dados por mim expostos.
À luz do conhecimento atual sobre Palmares, que é indiscutivelmente superior ao de alguns anos atrás, tentaremos demonstrar o que ora afirmamos independentemente de ordenamento cronológico citando, a seguir, as fontes históricas primárias e secundárias e os respectivos textos.

a.     Décio Freitas em seu livro “Palmares – A Guerra dos Escravos”, 4ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, afirma na página 127 (cento e vinte e sete), que “nem antes de 1676, nem depois de 1695, aparece referência a um general ou chefe palmarino chamado Zumbi”.

(Grifo nosso)

Comentário: no entanto, a página 95/96, em aberrante contradição, informa que as tropas de uma expedição anti-palmarina cujas “operações tiveram início em dezembro de 1672”, e eram comandadas pelo “veterano Antônio Jacome Bezerra” foram derrotadas por “um jovem negro chamado Zumbi”.

(Grifo nosso)

b.     Já na quinta edição, também publicada em 1984, pela Mercado Aberto Editora e Propaganda Ltda., o citado autor a página 117, diz que:
“Pode-se documentar que pelo menos entre 1670 e 1695, o indivíduo que usava esse nome foi uma só e mesma pessoa. Nem antes, nem depois desse período, aparece referência a um general ou chefe palmarino chamado Zumbi”. À página 118, relata que “Aos 18 anos, em 1673, quando derrotou a expedição de Antônio Jacome Bezerra, fora elevado a ‘cabo de guerra’, provavelmente um ‘cabo maior’”.
(Grifo nosso)

Comentário: note-se que nesta edição é a partir de 1670 e não 1676, que se fala num “general ou chefe palmarino chamado Zumbi”. É evidente que quem revisou a 4ª edição percebeu o grande “deslize” existente e tratou de corrigi-lo. Isto seria um procedimento perfeitamente natural se levássemos em conta três fatores: o primeiro e mais concebível, seria o fato de que as pesquisas nas fontes históricas primárias ainda estivessem sendo efetuadas; o segundo se fosse a publicação de uma primeira edição de um neófito e o terceiro se estivéssemos falando de alguém cujas explicações não podem ser levadas de maneira muito séria. Portanto, este fenomenal recuo de seis anos é, no mínimo, muito estranho. Fica difícil entender como um historiador do porte de Décio Freitas, considerado o número um em pesquisa documental e conhecimento do assunto, só tenha descoberto este equívoco após a quinta edição de seu livro. Defendo a opinião de que a derrota de Antônio Jacome Bezerra, um dos mais experimentes comandantes de expedições     anti-palmarinas, pressupõe, sem dúvida alguma, a existência de um chefe palmarino que nesta época já era um exímio conhecedor não só das táticas guerreiras como também das trilhas e dos pontos propícios à realização de emboscadas. Isto, evidentemente, exclui o Zumbi coroinha que nasceu em 1655 e fugiu de Porto Calvo para os Palmares em 1670 – porque as pessoas que têm bom senso sabem ser praticamente impossível se adquirir tanto conhecimento em apenas dois ou três anos – e inclui a possibilidade de ter existido outras pessoas com este nome. Portanto, nada, absolutamente nada, impede que este chefe tenha se chamado Zumbi. De resto, desconheço as fontes históricas que o designavam como “cabo de guerra”.

c.      “Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do Governador Dom Pedro de Almeida, de 1675 a 1678”.

Comentário: este documento, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo XXII, 1859, pp. 303-329, é muito importante pelo fato de apresentar três fatos históricos, conhecidos e aceitos que, aos poucos, vão fornecendo mais consistência a essa hipótese: em primeiro lugar, cita quais eram os principais quilombos existentes. Entre eles, encontra-se o “Quilombo de Zumbi”.  Não consigo encontrar outra explicação para haver referências a este quilombo em 1675, senão a de que ele já era famoso nesta época. Se em 1675, era considerado famoso, claro está o motivo: o seu chefe já possuía uma longa e sucessiva história de lutas e vitórias. Isto faz regredir a sua existência para uma data muito anterior a 1675 e, quem sabe, talvez até mesmo a 1670. Nunca é demais lembrar que foi em 1670, que fugiu de Porto Calvo para os Palmares, o Zumbi coroinha. Portanto, a pessoa que se chamava Zumbi e tinha um quilombo com seu nome não pode ser a mesma que o Zumbi coroinha. Isto é completamente inadmissív    el. Em segundo lugar, corroborando o que ora afirmo, transcrevo, a seguir, o texto da “Relação” que fala sobre as habilidades guerreiras do Zumbi que se defrontou com a expedição comandada pelo sargento-mor Manuel Lopes em 1676:
“se feriu com uma bala o general das armas, que se chamava Zumbi, que quer dizer deus da guerra, negro de singular valor, grande ânimo e constância rara. Este é o espectador dos mais, porque a sua indústria, juízo e fortaleza aos nossos servem de embaraço, aos seus de exemplo. Ficou vivo, porém aleijado de uma perna”.

(Grifo nosso)

Comentário: apenas respondam-me: como alguém que foi criado como um coroinha, cujo percurso era da casa de um Padre para uma Igreja, educado dentro dos rigorosos mandamentos do Cristianismo, porque negro e escravo tratado de maneira altamente preconceituosa, que não possuía nenhum treinamento militar e, ao que tudo indica, nunca tinha visto ou pego em qualquer que seja o tipo de arma e que desconhecia completamente a localização dos quilombos e o tipo de guerra utilizado pelos palmarinos pode, apesar de toda vigilância, fugir e, no mesmo ano de sua fuga, tornar-se chefe de um dos mais respeitados quilombos (admitindo-se que se trate da mesma pessoa), dois anos mais tarde, derrotar um dos mais experientes comandantes de expedições anti-palmarinas (Antônio Jacome Bezerra) e num confronto com outro expedicionário de não menos experiência (Manuel Lopes), obter tamanho elogio? Em terceiro lugar é digno de nota o registro de que na expedição comandada por Fernão Carrilho, em 1677, além de outros, foram presos no q    uilombo Amaro, “dois filhos de Ganga Zumba” um dos quais se chamava “Zambi”.

(Grifo nosso)

d.     No documento nº 31, cujo título é “Os soldados do rei”, do livro “República de Palmares: Pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVII”, de Décio Freitas existe, no tocante aos serviços prestados por João da Mota, entre os anos de 1670 e 1684, uma declaração nos seguintes termos:
“no encontro de Pedro de Mondéu em que se mataram e aprisionaram a muitos, havendo-se da mesma maneira no assalto que se deu a uma cerca e mucambo, queimando-lhe casas e fortificações, ferindo ao seu principal Zumbi e aprisionando-lhe a mulher com alguma família…”.
(Grifo nosso)

Comentário: isto é, no mínimo, surpreendente porque quem ler, com a devida atenção, a nota introdutória escrita por Décio descobrirá que não há, na mesma, nenhuma referência a este acontecimento.  Por quê?
Aqui se torna necessário um parêntesis: este ferimento corrobora também esta segunda hipótese, pois Domingos Jorge Velho, ao destruir a Fortaleza afirmou, como vimos, que Zumbi não tinha morrido, mas apenas levado “duas pelouradas”. Em assim sendo ele foi ferido três vezes. Ocorre que um dos documentos – como veremos – que informa onde e como ele morreu refere-se apenas ao defeito na perna e os outros nada dizem sobre o assunto. Podemos interpretar essas discrepâncias de três maneiras: a primeira é que se o Zumbi de 1676 fosse o mesmo que o de 1694, uma das fontes históricas, minuciosa como é, deveria citar os três ferimentos. Isto não ocorre. O que nos leva a crer tratar-se de pessoas distintas. Com relação à segunda, por incrível que nos pareça, não podemos excluir a possibilidade de tratar-se de uma terceira pessoa sem nenhum ferimento, que tenha adotado o nome de Zumbi, ou que não houve nenhum interesse por parte de quem narrou o seu assassinato em relatar seu estado físico.
Outro fato que nos deixa pensativo é o silêncio em torno de seu nome: fala-se nele em 1672/1673 – isto segundo Décio Freitas. Após este ano, só iremos encontrar menção a um Zumbi em 1676, por ocasião da expedição comandada por Manuel Lopes. Em 1677, com a entrada de Fernão Carrilho, menciona-se a prisão de um Zambi. Tratar-se-ia da mesma pessoa? Acho que não porque possuem atributos diferentes. A partir de 1676, há novamente um silêncio absoluto a seu respeito. Esta nova mudez acabará, em definitivo, depois da assinatura do Pacto de Cucaú, pois daqui em diante as referências a um ou vários, Zumbi são numerosas e incontestáveis.

e.         Quem consultar o documento nº 13, denominado “O terço da gente preta na luta contra Palmares”, do citado livro, constatará que entre outras informações, Domingos Roiz Carneiro, em 1681, presta a seguinte:
“em 681, ir nas entradas que se fizeram aos Palmares a destruir os negros levantados, achando-se na investida que se lhe deu na serra do Obarriga onde foram postos em fugida, havendo muito mortos e feridos em que entrou o seu principal Zumbi…”.
(Grifo nosso)

Comentário: para a localização desta fonte histórica primária Décio Freitas fornece o Códice nº 265, do Arquivo Histórico Ultramarino. Já o historiador Ivan Alves Filho em seu “Memorial dos Palmares”, indica o Códice 18, fls. 350/350v/351, da mesma Instituição e a obra “Biografias de alguns poetas e homens ilustres da Província de Pernambuco”, de Antônio Joaquim de Mello pp. 85; 275-276; 287-289. . O Códice indicado por Décio está datado de “Lisboa, 24 de dezembro de 1693” e o citado por Ivan, de “Lisboa, 22 de dezembro de 1693”. Esclareço que não sei se se trata do mesmo documento. É importante averiguar porque em caso afirmativo seriam duas fontes distintas a referir-se a morte ou a mais um ferimento de Zumbi. O que robusteceria ainda mais a hipótese em discussão. Em negativo, por que a discrepância?

f.         Frei Loreto do Couto, no Capítulo 9º, do Livro Sexto de sua obra “Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco”, referindo-se as “Memórias dos Índios Naturais de Pernambuco que depois da Restauração da Pátria se Fizeram Famosos Pelas Armas, e Ocuparam Posto de Maior Graduação”, ao falar sobre D. Sebastião Pinheiro Camarão, informa:
“Em 1681, seguiu a um esquadrão de negros, que haviam furtado mulheres, filhas escravas, e móveis de alguns moradores do termo das alagoas, alcançados os inimigos, se mostraram ousados; acometidos esperaram constantes o primeiro repelão em que caio morto o seu zumbi, e muitos dos seus sequazes, que lhe foram iguais na desgraça”.

(Grifo nosso)

g.               No Capítulo 10º, ao referir-se ao sucessor de Henrique Dias, diz:

“Sucedeu-lhe no posto de Mestre de Campo, Domingos Rodrigues Carneiro (acima citado), natural do Recife, Cavaleiro na Ordem de Santiago, crioulo ornado de estimáveis dotes de valor, e fidelidade, e de conhecimento, e praxe para governar homens da sua cor, sendo capitão do mesmo Terço se achou no ano de 1680, na entrada, que se fez aos Palmares dos negros levantados, em que houve muitos mortos e feridos, entrando no número destes o Zumby seu Príncipe”.
(Grifo nosso)

h.               No Capítulo 11º, ao informar a destruição do “Império do Zumby, Príncipe do Palmar”, relata:

“Teve valor Antônio Soares, crioulo natural do Recife, para intentar empresa tão arriscada, pedindo em prêmio do que obrasse perdão de alguns delitos, que havia cometido. Com promessa de lhe serem perdoados seus crimes caminhou para o Palmar, e posto na presença de Zumby, sem se valer de fingimentos, a punhaladas lhe tirou a vida. Cheios de horror e pasmo os da sua guarda, deram lugar a que sem perigo se pusesse em salvo. Conseguiu o perdão que pretendia, e dado pelo Governador, o confirmou El Rey em 25 de Agosto de 1697”.

(Grifo nosso)

No item nº 34, do Capítulo 4º, “Das Guerras Cerviz do Palmar”, do Livro Oitavo, “Pernambuco Constante, Valeroso, e Fiel nas Calamidades”, após narrar o como da queda da Fortaleza, conta-nos:

“O seu Príncipe Zumbi com os mais esforçados guerreiros querendo obviar o ficarem cativos da nossa gente, correram a toda pressa a tomar a eminência, que havia na circunvalação, cuja valentia ainda que misturada de um furor brutal, mostrou a todo nosso Exército um espetáculo, que não pode deixar de se ouvir com espanto, pois sobidos ao mais elevado cume, com desesperado valor se despenharam, mostrando não amar a vida na escravidão, nem querer perdê-la aos nossos golpes”.

(Grifo nosso)

Comentário: Frei Loreto do Couto relata a morte de quatro pessoas com o nome de Zumbi. Na primeira informação, relativa a 1681 – as datas são importantes porque nos situam tanto do ponto de vista cronológico quanto do onomástico e toponímico – note-se que ele diz “que caio morto o seu zumbi” e utiliza a letra “z” minúscula. Pelo menos para mim isto tem dois significados: salvo erro tipográfico, além de ficar claro que ele não se referia a um nome próprio, demonstra que “zumbi” designava apenas um chefe de bando. A segunda é relativa a 1680.  Zumbi é chamado de Príncipe e foi morto por Domingos Rodrigues Carneiro. A terceira não cita data. Há, no entanto, menção a “Antônio Soares”. Este nome nos remete a documentos datados de1696 que mencionam a morte de um Zumbi e nos lembram André Furtado de Mendonça. Faço questão de chamar a atenção para o fato de que o Zumbi aqui referido foi assassinado pelo próprio Antônio Soares. Na quarta, há um Zumbi príncipe que preferiu se suicidar a voltar a ser escravo, ou seja,     repete-se a “lenda do suicídio épico”. Do exposto podemos deduzir que não há nenhum impedimento do nome Zumbi ter sido utilizado seqüencialmente.

i.       De acordo com o documento nº 25, “Zumbi: corsário e trocista”, do livro “República de Palmares: Pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVI”, de Décio Freitas, a morte de Zumbi foi noticiada também por Manuel de Nojosa em 1682, numa certidão de reconhecimento dos serviços do alferes João da Mota ao afirmar:

“Certifico eu que marchando destas Alagoas em companhia do Sargento maior Damião de Magalhães, cabo maior do arraial que ao Palmar fomos fazer, me acompanhou o Alferes João da Mota, e na ocasião em que me mandaram investir a cerca e mucambo dos negros foi o dito Alferes João da Mota obrando em aquele assalto com grande valor e disposição, sendo sempre dos dianteiros, pelejando com grandessíssimo valor, queimando muitas casas, ajudando a queimar as fortificações dos negros, e no outro dia seguinte da peleja que tivemos tornei a sair por cabo de outra tropa em seguimento do inimigo, donde ao cabo de quatro dias topei com eles, indo em minha companhia o dito Alferes João da Mota, o qual elegi por cabo dos dianteiros, e assim pelejando com os negros se mataram uns e aprisionaram outros, donde se matou o governador dos ditos negros dos Palmares chamado Zumbi, o maior /corsário/ e trocista que houve, e se aprisionou a mulher do dito governador e alguma família sua e uma mulher branca com um filho qual os ditos neg    ros forcosamente haviam levado, …”.

(Grifo nosso)

Comentário: se por um lado o primeiro aspecto que nos chama a atenção neste documento é a semelhança das informações sublinhadas com as do documento nº 31, acima citadas, por outro, a principal e fundamental diferença reside no fato de que aqui Manuel de Nojosa afirma ter matado mais uma pessoa que tinha o nome de Zumbi e cujo atributo era o de ser “governador dos ditos negros dos Palmares…”.

l.      O documento nº 15, “Planos para a destruição de Palmares (I)”, também  do  livro  acima  mencionado, nos informa que:

“… e pelo conhecimento que os negros têm da terra, das estradas e florestas, e prática militar aguerrida na disciplina do seu capitão e general Zambi, que os fez destríssimos no uso de todas as armas de que têm muitas em quantidade, assim de fogo, como de espadas, lanças e frechas…”.

(Grifo nosso)

Comentário: atribuído por Décio Freitas a “João Fernandes Vieira, que nesse tempo andava a pleitear sua nomeação para o governo de Pernambuco” este documento provavelmente coloca, de uma vez por todas, um ponto final na defesa de que o Zumbi coroinha foi o único a existir ou que ele nasceu em 1655.  É, por assim dizer, o “golpe de misericórdia” desta hipótese. João Fernandes Vieira nasceu em 1610. Em 1639 “foi indicado para o cargo de Escabino de Olinda” e “de julho de 1641 a junho de 1642, foi efetivamente elevado à condição de Escabino de Maurícia sendo depois reconduzido no exercício de 1642 a 1643”. Entre “1655-1657 foi nomeado governador da Paraíba” e de “1658 a 1661” assumiu “o posto de general do Reino de Angola”. Finalmente, foi também “Superintendente das Fortificações do Nordeste do Brasil, de 1661 a 1681”, tendo morrido “em Olinda” neste último ano.
A ficha de “serviços prestados” por João Fernandes Vieira preencheu completamente sua vida não lhe deixando tempo para ocupar nenhum outro cargo.
Décio, no seu comentário diz que as “informações errôneas” sobre os Palmares foram a ele (João Fernandes Vieira) “prestadas por Manuel Lopes Galvão, que comandara uma forte expedição em 1675”. Onde, no documento, encontra-se isto? Como e por que um homem do porte de Manuel Lopes Galvão, não só um dos mais respeitados comandantes de expedições anti-palmarinas como também um dos maiores conhecedores da região, prestaria informações erradas?
Quando João Fernandes Vieira “pleiteou sua nomeação para o governo de Pernambuco”? Não se sabe, pois o documento não possui data. No entanto, pode-se conjecturar que a época foi quando de sua nomeação para Governador da Paraíba, entre os anos de 1655-1657. Ora, foi em 1655 que Zumbi nasceu. Em 1657, ele tinha apenas três anos. Se só existiu uma única pessoa com o nome de Zumbi como então ele, João Fernandes Vieira afirma, nesta época, que Zumbi era o “capitão general” dos palmarinos?
Ainda há espaço para mais duas conjecturas: a primeira é supor que seu pleito ocorreu em algum ano situado entre 1661 e 1681. Ocorre, que entre estes anos a capitania de Pernambuco teve os seguintes Governadores:

1. Francisco de Brito Freire:                                  1661 – 1664;
2. Jerônimo de Mendonça Furtado:                     1664 – 1666;
3. Junta Provisória:                                                1666 – 1667;
4. André Vidal de Negreiros:                                 1667 – 1667;
5.   Bernardo de Miranda Henriques:                  1667 – 1670;
6.   Fernão de Sousa Coutinho:                             1670 – 1674;
7.   Junta Provisória:                                              1674 – 1674;
8.   Pedro de Almeida:                                           1674 – 1678;
9.   Aires de Souza e Castro:                                  1678 – 1682.

Como se vê, mesmo nas duas ocasiões em que a Capitania de Pernambuco foi governada por uma Junta Provisória, não houve espaço para João Fernandes Vieira.
Vamos à segunda conjectura: a fonte histórica “Planos para a destruição de Palmares (I)”, vem acompanhada de outros documentos que segundo Décio Freitas “robustecem a convicção sobre a autoria de Vieira”. No último parágrafo do último documento transcrito, afirma-se que, “As Câmaras de Pernambuco, Paraíba, Itamaracá escrevem a Vossa Alteza Mercê de querer nomear a João Fernandes Vieira por Governador daquela capitania…”.
O documento está datado de “Lisboa, 22 de dezembro de 675”.
Com base nesse texto, pode-se argumentar que foi por volta do ano de 1675 que João Fernandes Vieira “apresentou pessoalmente ao soberano” (Rei de Portugal), o seu pleito. No entanto, existem dois graves problemas: de acordo com a relação acima quem governava Pernambuco nessa época era D. Pedro de Almeida, o governador que combateu os palmarinos com tamanha violência que na administração de seu sucessor, com a sua presença, foi assinado o Pacto de Cucaú. Portanto, esta conjectura é destituída de todo e qualquer fundamento. Por outro lado, não devemos esquecer que João Fernandes Vieira morreu em 1681. Não é nenhum absurdo admitir que em 1675, ele estivesse doente ou mesmo decrépito.

m.    Na fonte histórica nº 24, “Carta do Governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro, de 18 de Fevereiro de 1694, sobre a gloriosa restauração dos Palmares”, publicada no livro de Ernesto Ennes, “As Guerras nos Palmares”, entre outras informações, consta a seguinte “Como aclarou o dia se lhe entrou a fortificação em a qual se rendeu tudo apanhando-se-lhe a bagagem e família, avizaçame (avizam-me?) passam de quinhentos mortos donde entra um valoroso negro que era seu general…”.
(Grifo nosso)

Comentário: este documento é o mesmo que foi publicado no livro de Décio Freitas “República de Palmares: pesquisa e comentários em documentos históricos do século XVII”, com o nº 26, e título “A Tomada da Serra da Barriga”. Ernesto Ennes o fez em 1938, pela Companhia Editora Nacional e Décio em 2004, pela Edufal: Ideário. Em Ennes há menção a um “valoroso negro” e em Décio a um “nativo negro”. Além destas despretensiosas observações, note-se que juntamente com a destruição da Fortaleza, mais uma vez foi comemorada a morte de alguém com o nome de Zumbi.

n.     Com as informações dos documentos de números 38 – “Carta do Governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro dando conta de se ter conseguido a morte do Zomby a qual descreve. Pernambuco, 14 de Março de 1696” – 39 – “Consulta do Conselho Ultramarino de 18 de Agosto de 1696, em que o Governador da Capitania de Pernambuco dá conta de se haver conseguido a morte do Zomby, e perdão que se deu ao mulato que o entregou” – este também publicado por Décio Freitas sob o nº 28, e com o título “A Morte de Zumbi” – 41 – “Consulta do Conselho Ultramarino de 30 de Dezembro de 1697, sobre o que pede o Capitão André Furtado de Mendonça” – 42 – “Consulta do Conselho Ultramarino em que André Furtado de Mendonça pede se dispense com ele na falta de anos de serviço para requerer satisfação deles” – e 54º, item 11º – “Requerimento que aos pés de Vossa Majestade humildemente prostrado faz em se nome, e em aquele de todos os oficiais e Soldados do terço de Infantaria São Paulista de que é Mestre de Campo Domingos Jorge Velho,     que atualmente serve a Vossa Majestade na guerra dos Palmares, contra os negros rebelados nas capitanias de Pernambuco” – do citado livro de Ernesto Ennes, e também os de números 27, “O homem que matou Zumbi” – “Informações sobre os serviços de André Furtado de Mendonça no Rio Grande, nos Palmares de Pernambuco, vila de São Paulo e sertão da Paraíba, desde 27 de novembro de 1691 a 23 de julho de 1715” – e 43, “A cabeça de Zumbi”, do livro “República dos Palmares”, de Décio Freitas, finalmente e definitivamente, encerra-se o assunto.

Comentário: encerra-se o assunto porque todas estas fontes históricas informam que houve a morte de mais de um Zumbi. No entanto, excluindo-se o item 11º da 54ª fonte histórica, publicada por Ernesto Ennes, nenhuma outra informa a data em que ocorreu. Em resumo: verifica-se que a partir de 1670/1672, há várias referências seja a nome, ferimento ou morte, para uma ou várias pessoas, cujo nome era Zumbi. Isto nos leva a crer que com a morte de uma pessoa denominada Zumbi, o Conselho, em reunião secretíssima, nomeava outra, que possuísse excelentes habilidades guerreiras para que os escravos e palmarinos acreditassem que o ZUMBI era realmente único e imortal. Em assim sendo, os componentes do Alto Conselho não podiam, em hipótese alguma, deixar que pudessem admitir sua morte, pois neste caso descobririam que a crença na sua imortalidade e nos seus poderes sobrenaturais não passava de uma farsa. Como poderiam matar alguém que eles consideravam imortal? Um ser quase divino? Um enviado dos deuses? É claro que esta     hipótese pressupõe, como acima dito, a possibilidade de que durante os anos várias pessoas sucessivamente, adotaram o mesmo nome.  No entanto, é minha obrigação deixar bem claro que se só existiu um único Zumbi (?!) – o coroinha – as demais informações não merecem crédito (?!).

6.4       Mitologia: A Cura Milagrosa

Após ser atingido, Zumbi se recolheu a um dos inumeráveis quilombos para se tratar das graves feridas. Então, algo extraordinário novamente aconteceu: num canto de sua humilde palhoça, inexplicavelmente, apareceu um conjunto de plantas que sem demora foram reconhecidas como de alto poder curativo. Não havia dúvidas: mais uma vez, ele estava recebendo ajuda dos Guardiões: aquelas plantas medicinais ali misteriosamente deixadas eram para serem usadas como emplastro e, urgentemente, colocadas na região atingida pelos projéteis para que ele não perdesse a perna. Logo descobriram que, novamente, um novo orixá intercedia por ele. Seu nome: OSSÂIM, “O Patrono da Medicina”. Respeitosamente, saudaram-no: Eu-eô! Concomitantemente as saudações sacrificaram bodes e galos e ofertaram farofa, feijão-preto, mel e fumo. Terminado o ritual foram minuciosamente instruídos, sobre a exata quantidade da mistura de ervas medicinais e outros ingredientes a serem colocados no emplastro e de como procederem, relativamente ao tempo,     para que os ferimentos desaparecessem o mais rápido possível e, assim, o chefe palmarino pudesse continuar com sua missão.

 O ESCONDERIJO SECRETO

Na madrugada da destruição da Fortaleza, Zumbi não morreu. Seus guerreiros o defenderam e ele, mesmo atingido por “duas pelouradas” conseguiu livrar-se da morte. Era fundamental que permanecesse vivo. De sua incontestável liderança, indômita bravura e insubstituível presença física dependia a reunificação do pouco que restara.
Mais morto do que vivo, pois arrasado psicologicamente, destruído militarmente e contando somente com a ajuda dos poucos companheiros que conseguiram escapar do massacre, cambaleante, internou-se nas matas inóspitas a procura de um lugar seguro. De um lugar onde pudesse descansar, recobrar suas forças, colocar sua consciência e seu raciocínio em ordem e reagrupar seus guerreiros. Encontrou-o, e lá construiu seu esconderijo.
Aos poucos a localização desse esconderijo tornou-se razoavelmente conhecida por pessoas que num futuro próximo se tornariam seus piores inimigos: aqueles que apesar de fazerem parte de seu círculo íntimo eram, na realidade, verdadeiros párias, calhordas, judas camuflados, pois só esperavam uma oportunidade para mostrar sua verdadeira face. E como esse tipinho asqueroso ainda existe! E como existe!
Um deles, chamado Antônio Soares, aprisionado nas imediações de Penedo, foi entregue a um “destacamento” em que ia por Cabo o Capitão André Furtado de Mendonça. Após algumas horas de “conversa”, comprometeu-se, em troca de sua liberdade, guiar o referido Capitão ao local onde Zumbi podia ser encontrado.

Palavra dada, palavra cumprida.

Sobre o assunto, por ocasião da realização do I Simpósio Nacional do Quilombo dos Palmares, Décio Freitas, em trabalho intitulado “A Cabeça de Zumbi” afirmou o seguinte sobre sua traição e morte:
O esconderijo se situava em ponto recôndito da mata, provavelmente na Serra Dois Irmãos, lugar de desfiladeiros, penhascos abruptos e gargantas profundas por uma das quais se precipita o rio Paraíba. Zumbi mantinha sempre junto a si uma guarda de 20 homens, mas quando Soares chegou seguido à distância pelos paulistas a guarda se achava reduzida a 6 homens.
O grupo se aproximou cautelosamente durante a noite e tomou posição, a espera do amanhecer.
“Quando amanheceu, Antônio Soares saiu do mato para uma pequena clareira e aí gritou com toda força:

Zumbi! Zumbi! Zumbi!

Segui-se intensa expectativa, tanto para Soares como para os quinze paulistas – dois brancos e treze mamelucos – emboscados no mato à roda da clareira. Alguns instantes após os gritos de Soares, apareceu Zumbi à entrada do “sumidouro.
O drama foi rápido. Soares se encaminhou para o chefe, que o acolheu confiadamente. Então, bruscamente, Soares enterrou-lhe um punhal no estômago e deu sinal aos paulistas. Acudido pelos companheiros e apesar de mortalmente ferido, Zumbi ainda lutou com bravura. Em carta de 14 de março de 1696 para o rei, o governador Melo e Castro contou que “Zumbi pelejou valorosamente e desesperadamente, matando um, ferindo alguns e, não querendo render-se nem aos companheiros, foi preciso matá-los e só a um se apanhou vivo.
Contou depois furtado de Mendonça que “quando viu o negro morto e bem morto, agradeceu a Deus a Glória alcançada”.

“Deu-se isto no dia 20 de novembro de 1695.”

Para Décio foi assim que tudo aconteceu. Ele era um bom jornalista. Não o coloco na categoria dos ótimos porque a superficialidade e o artificialismo com que aborda temas por demais importantes são irritantes. Depois de tão pomposa exposição, sou obrigado a reconhecer, Décio que é historiador, errou de profissão, pois tenho absoluta certeza de que se ele se candidatasse a teatrólogo dramaturgo, para cada peça escrita, receberia um prêmio especial, pois sua narração possui todos os indispensáveis ingredientes melodramáticos.
Não concordo com a sua versão porque, que seja do meu conhecimento, a única fonte histórica contemporânea aos fatos – a não ser que ele disponha de outra até hoje não apresentada – que relata com pormenores a mecânica dos acontecimentos do dia 20 de novembro de 1695, é a “Carta do Governador de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, dando conta de se ter conseguido a morte do Zumbi a qual descreve”, datada de 14 de março de 1696, e ela, como veremos, não permite tal interpretação.

Eis o trecho da Carta relativo à tão decantada morte de Zumbi:

“Senhor

O Governador de Pernambuco Caetano de melo e Castro, em Carta de 14 de março deste ano, dá conta a Vossa Majestade de se haver conseguido a morte do Zumbi, ao qual descobrira um mulato do seu maior valimento que os moradores do Rio de São Francisco aprisionaram, e remetendo-se-lhe, topara com uma das tropas que dedicara àqueles distritos que acertou ser de paulistas em que ia por cabo o capitão André Furtado de Mendonça, e temendo-se o dito mulato de ser punido por seus graves crimes oferecera que segurando-se-lhe a vida em nome dele Governador, se obrigava a entregar o dito Zumbi, e aceitando-se-lhe a oferta desempenhara a palavra, guiando a Tropa ao Mocambo do negro, que tinha já lançado fora a pouca família que o acompanhava, ficando somente com vinte negros, dos quais mandara quatorze para os postos das emboscadas, que esta gente usa no seu modo de guerra, e indo com os mais que lhes restaram a se ocultar no sumidouro que artificiosamente havia fabricado, achando tomada a passagem, pelejara valorosa ou
desesperadamente matando um homem, ferindo alguns, e não querendo render-se nem os companheiros, fora preciso matá-los apanhando só um vivo…”.

   A sua análise nos revela que:

1.    Os moradores do Rio de São Francisco (Penedo) aprisionaram um mulato;

2.    O mulato foi entregue ao Capitão André Furtado de Mendonça;

3.      Amedrontado pelas ameaças, com medo da prisão, das torturas e da morte, prometeu revelar onde era o esconderijo de Zumbi em troca de sua segurança e liberdade;

4.      Com estas garantidas pelo Governador, guiou a “tropa” do Capitão André Furtado de Mendonça ao “Mocambo do negro”;

5.      Nesta ocasião, acompanhavam o Zumbi somente vinte negros;

6.      Destes, catorze, Zumbi mandou para os postos das emboscadas e com os seis restantes dirigiu-se para o esconderijo;

  O que nos leva a concluir que:

I.    Os catorze negros nos postos das emboscadas prova que Zumbi vivia com um profundo receio de ser descoberto;

II.    O “Mocambo do negro” não era um quilombo, mas sim, um “sumidouro  que artificiosamente havia fabricado”. Entende-se comumente por sumidouro o local onde a água, verticalmente ou horizontalmente, de um rio ou riacho some num ponto e surge em outro, sob o solo ou um conjunto de rochas

III.     Ocorre que este sumidouro tinha sido “artificiosamente fabricado”, ou seja, construído. Isto nos faz pensar que Zumbi após escavar alguns metros de túnel o alargou para que pudesse servir não só de abrigo, mas também de habitação

IV.    Esta hipótese não exclui a possibilidade do aproveitamento de um ambiente adequado, isto é, alguma perfuração ou buracos naturais, geralmente conhecidos como “túneis” “tocas”, “furnas”, “caldeirões”, etc. nas margens de um rio ou sopé de um monte ou serra e sua transformação num local mais apropriado para se viver. Isto, de certa forma, explicaria a frase “artificiosamente havia fabricado”, pois a palavra “artificiosamente” neste contexto pode também significar feito com astúcia, habilidade, inteligência.

V.    Se no dia em que o mulato guiou o Capitão André Furtado de Mendonça ao sumidouro, Zumbi e seus companheiros lá            estivessem jamais o dito Capitão teria, sem nenhum          conhecimento do local, se aproximado do esconderijo sem serem notados pelas sentinelas e, muito menos ainda, aprisionado e assassinado todos eles com apenas quinze homens;

VI.    O capitão André Furtado de Mendonça, quando chegou ao sumidouro, encontrou-o totalmente abandonado (Fig. 11) porque Zumbi estava ocupado em algum combate ou a procura de correligionários;

VII.    Sabedor da importância da ocasião alojou-se no mesmo e, com extrema cautela, aguardou o regresso de Zumbi e seus companheiros;

VIII.   Ao chegarem próximo ao esconderijo, Zumbi determinou que catorze ficassem nos postos das emboscadas e, com os seis restantes, dirigiu-se para o sumidouro onde encontraram a “passagem” (entrada) “tomada” (impedida) pelo Capitão André Furtado de Mendonça e seus homens (Fig. 12);

IX.     Extremamente surpreso devido a este fato, “pelejara valorosa ou desesperadamente matando um homem, ferindo alguns, e não querendo render-se nem os companheiros, fora preciso matá-los apanhando só um vivo…”.

X.      Portanto, não foi necessário que o traidor chamasse várias vezes por Zumbi na entrada do sumidouro, ou seja, praticasse a fantasia pregada por Décio Freitas.

    8.1       A Tragédia do Sumidouro

Neste misterioso sumidouro foi cometido um dos mais hediondos e sádicos crimes de que se tem notícia na história do Brasil: Zumbi foi assassinado por “quinze ferimentos de bala e muitos de lanças vendo-se ainda que o membro da virilidade do dito negro se havia cortado e enfiado na boca também lhe faltando um olho e se lhe cortara a mão direita”

   ZUMBI: POSSÍVEIS MOTIVOS DA TRAGÉDIA DO SUMIDOURO

Por que tanta crueldade e sadismo?

Não temos outra explicação a não ser atribuir os ferimentos de arma branca e de fogo, que causaram a sua morte, aos diversos tipos de vitórias obtidos por Zumbi durante, astrologicamente falando, sua efêmera existência.
Podemos classificar as diversas derrotas dos oponentes de Zumbi em cinco tipos: derrotas militares, morais, diplomáticas, retaliações e raptos de mulheres (derrotas sentimentais ou amorosas).
Por mais que me esforce, não consigo visualizar outros motivos que levaram os assassinos de Zumbi a cometerem um crime com tanto sadismo a não ser que levemos em consideração os tipos de vitórias abaixo mencionados.

    1.    Vitórias Militares

– Militarmente, consegue derrotar:

– Antônio Jácome Bezerra, em 1672;
– João de Freitas da Cunha, em 1679;
– Gonçalo Moreira da Silva, em 1680;
– O comandante do Terço dos Henriques de Pernambuco, Domingos Rodrigues Carneiro em 1680 e 1687;
– André Dias, em dezembro de 1680;
– O sargento-mor do Terço dos Henriques, João Martins, em 1681;
– Carlos Ferreira;
– Belchior Pinto, em 1684;
– Freitas da Cunha num local chamado Gongoro;
– Por duas vezes, antes da destruição da Fortaleza, Domingos Jorge Velho e as tropas oriundas de Alagoas, Porto Calvo e Penedo;
– Lutar contra Manuel Lopes Galvão e seu tio, Gana Zona;
– Impedir que André Dias reprima os ataques palmarinos;
– Sair incólume do combate travado contra o sargento-mor Clemente da Rocha Barbosa e de Sebastião Pinheiro Camarão;
– Contribuir para o completo fracasso das expedições comandadas por Fernão Carrilho em 1678, em julho de 1683 e em janeiro de 1687.

    2.    Vitórias Morais

– Em fins de 1679, recusa a proposta do governador Aires de Souza de Castro, enviada através de Gana Zona, de abandonar os Palmares e “viver onde melhor lhe aprouvesse com seus familiares e homens de confiança”;
– Deixa sem resposta “o oferecimento de perdão e liberdade” feito pelo sargento-mor Manuel Lopes, em março de 1680, a mando do acima citado governador;
– Com o aumento dos ataques palmarinos o governador João de Souza é obrigado a negociar com Zumbi. Às propostas enviadas, obtém como resposta o silêncio;
– Em 1685 é nomeado governador da Capitania de Pernambuco João da Cunha Souto Maior. Por esta época a coragem, a liderança, o prestígio a habilidade militar e diplomática de Zumbi, dentro e fora de Palmares, era tão grande que o próprio rei de Portugal lhe escreveu. Como se trata de um documento único, pois escrito por um Rei e endereçado a um escravo perdoando todos os danos que este lhe tinha causado, transcrevo-o:
“Eu El-Rei faço saber a vós Capitão Zumbi dos Palmares que hei por bem perdoar-vos de todos os excessos que haveis praticado assim contra minha Real Fazenda como contra os povos de Pernambuco, e que assim o faço por entender que vossa rebeldia teve razão nas maldades praticadas por alguns maus senhores em desobediência às minhas reais ordens. Convido-vos a assistir em qualquer estância que vos convier, com vossa mulher e vossos filhos, e todos os vossos capitães, livres de qualquer cativeiro ou sujeição, como meus leais e fiéis súditos, sob minha real proteção, do que fica ciente meu governador que vai para o governo dessa capitania”.
O fato de não se saber se Zumbi recebeu ou não esta carta não tem a menor importância. A meu ver, a importância reside no fato do rei ter, por um momento, enxergado a verdade sobre o bárbaro, vergonhoso e desumano tratamento existente entre seres humanos. Ter reconhecido o valor e a fama que um escravo, cujo nome era Zumbi, tinha alcançado e admitir que ele estava certo e que os errados eram a classe economicamente dominante. Note-se que há, aqui, uma inversão no status social da época: os senhores de engenho passam a ser bandidos, e Zumbi o justiceiro, ou seja, o escravo que luta contra as “maldades praticadas” e os “maus senhores”. Lastimável é o fato de que aqueles que após Zumbi pretenderam continuar com a luta contra a escravidão tiveram uma efêmera existência.
– Em seguida, o governador João da Cunha Souto Maior enviou ao chefe dos Palmares uma proposta de negociação. Esta proposta foi, propositadamente, protelada por Zumbi enquanto o mesmo aumentava e organizava ainda mais suas hostes guerreiras.  E entre propostas e contrapropostas, o tempo passou sem que nada fosse realmente resolvido.

    3.    Vitórias Diplomáticas

Marchar e lutar contra Palmares era uma tarefa difícil. Além da preocupação de seus familiares, da escassez de soldados, do raquitismo das provisões e do completo desconhecimento da região onde se localizavam os diversos quilombos, os agressores tinham que enfrentar toda uma outra gama de problemas relacionados com a flora, a fauna, a topografia e o tipo de guerra dos palmarinos – as emboscadas.
Na época em que era governador da Capitania de Pernambuco João de Souza, a situação atingiu um ponto crítico devido às ofensivas dos palmarinos. Tornava-se premente enviar uma grande expedição para tentar conter os palmarinos alojados na Serra da Barriga. Para comandá-la necessitava-se de um homem corajoso e possuidor de comprovada experiência neste tipo de combate. O Capitão Fernão Carrilho apresentava todos os requisitos exigidos e, por isto, foi, em 1683, o escolhido. Suas ordens eram destruir a qualquer custo os Palmares e, em hipótese alguma, aceitar propostas de paz, mesmo que estas lhes fossem imploradas. Estas determinações nutriam o espírito desejoso de sangue do militar, mas desvaneciam todos os planos e todas as soluções pacíficas do diplomata que podiam ser aplicadas para a resolução do problema.
Fernão Carrilho aceitou o comando da entrada, mas, nem por sonho, concordou com os seus loucos objetivos. Decepcionado, marchou para Alagoas e, ao chegar, enquanto cuidava-se dos preparativos finais da investida, através de duas cartas, pediu ao governador autorização para modificar as disposições que lhes foram impostas. Não adiantou. Eram irrevogáveis. Desiludiu-se. Daqui em diante, toda e qualquer atitude frente aos palmarinos era, única e exclusivamente, de sua inteira responsabilidade. Pesava em sua consciência a negra lembrança de uma paz (1677) conseguida com enorme derramamento de sangue e agora, estava em suas mãos o poder de escolher entre as mais acirradas honrarias civis e militares através da guerra e a paz. Negligenciando a arrogância e o orgulho humano, tomou uma decisão que modificou o destino da história dos quilombos: após alguns combates, não só admitiu as propostas de paz como também, para evitar um massacre, Zumbi convence Fernão Carrilho a não atacá-los para que assim pudessem ganhar
tempo e, com seus seguidores, se retirar da serra da Barriga enquanto o referido Capitão com mais trezentos soldados dela se aproximavam.

    4.    Retaliações Palmarinas.

Sob a liderança de Zumbi os palmarinos se desprendem, perdem o medo e têm início as mais ousadas represálias: a seu mando, envenenam Ganga Zumba; incendeiam canaviais, plantações, engenhos e sedes de fazenda; matam os brancos, levam as mulheres, entre as quais algumas brancas; libertam os escravos e se apoderam de armas e munições. Atacam o presídio de Garça Torta, em 1684, invadem o perímetro urbano das Vilas de Alagoas em 1681, de Nossa Senhora das Neves, em 1684, São Miguel, Penedo e de um local chamado Alamo, também em 1684, e depredam moradias e, finalmente, em 1687, tramado por Zumbi, estava em andamento um plano fenomenal que tinha o objetivo dos “escravos massacrarem a população branca e darem o sinal para a vinda dos palmarinos”. Infelizmente este plano não obteve êxito porque foi delatado por “uma escrava negra”.

 5.       Rapto de Mulheres.

Depois dos indígenas, os primeiros a fugir dos engenhos e penetrar nas perigosíssimas e desconhecidas florestas dos Palmares a procura de um local seguro para sobreviver foram os escravos. Foi no cume das serras que encontraram, temporariamente, a “paz”. Eram, no entanto, habitantes solitários. Viviam miseravelmente. Não possuíam, por mais incipientes que fossem, nenhum implemento agrícola ou ferramenta que possibilitasse trabalhar a terra. Não fosse a fauna e a flora que lhes forneceram alimentos e matéria prima para construírem rústicas habitações teriam, em pouco tempo, morrido de fome ou devido às intempéries. Como companhia possuíam apenas outros colegas de infortúnio e animais ferozes que não deixavam de observá-los, pois desejavam devorá-los.
Para derrubar as árvores, construir as primeiras habitações e cercas de pau-a-pique que os protegeriam, no princípio, unicamente do agressivo meio-ambiente, acredito, que utilizaram a tecnologia indígena. O tempo passou. A notícia de que no mais recôndito ponto das florestas havia escravos que viviam livres, com a rapidez de um raio, se espalhou e, como acima ficou dito, serviu para aumentar em quantidade e intensidade as fugas. Levas e mais levas de escravos fugiram. Desta vez, com duas notáveis diferenças: traziam consigo pouquíssimas escravas e os mais variados artefatos de metal. Com estes, trabalharam a terra, construíram melhores habitações e um mais robusto sistema de defesa. Sabiam que mais cedo ou mais tarde, seriam caçados, possivelmente aprisionados, levados de volta para o engenho de onde tinham fugido e tratados piores que os animais.
A presença de mulheres gerou um problema: aumentou a libido dos homens fazendo com que eles procurassem realizar as suas reprimidas necessidades sexuais. Como os homens eram muitos e as mulheres pouquíssimas, isto criou um outro grande problema: como encontrar uma maneira de satisfazer a todos? É óbvio: dando a todos os mesmos direitos. Teve, então, início a poliandria. Não acredito que em Palmares ela era um “costume socialmente institucionalizado”. Foi a inexistência de mulheres, o apego à monogamia e a exigência imposta pela segunda necessidade básica do ser humano, que a fez nascedoura.
Por causa de sua criação parcialmente cristã, Zumbi era radicalmente contra a poliandria. Para acabar com este comportamento altamente indecente e extremamente promíscuo ele foi obrigado a tomar uma atitude que por um lado disciplinaria a vida sexual dos palmarinos, e por outro, o tornaria ainda mais odiado: raptar mulheres.
Além do mais, as mulheres eram extremamente necessárias devido ao insubstituível companheirismo, indispensável ajuda nas horas mais críticas, cumprimento das tarefas domésticas e, finalmente, para o aumento da população que, criada e preparada militarmente no quilombo que substituíra o de Subupira, a nova geração seria transformada em combatentes altamente treinados que teriam como objetivo enfrentar, vitoriosamente, todos os desafios vindouros.
Desconheço qualquer que seja o documento que afirme que os palmarinos raptaram mulheres para exigir resgate, estuprá-las, escravizá-las, torturá-las ou matá-las. Neste sentido, o máximo que se pode dizer é que eles, com muito mais suavidade, revidaram os atos dos brancos. É verdade que mulheres brancas foram levadas para os quilombos.
É verdade, também, que uma lenda afirma que Zumbi era “casado com uma branca chamada Maria” que, possivelmente, teria sido “raptada”.
Mesmo que tal lenda seja comprovada, nunca devemos esquecer que quando nos entregamos a um relacionamento prolongado e forte, a tendência é nos apaixonarmos e há uma grande diferença entre amor e paixão.
Aqui, novamente, peço licença para desviar-me um pouco do assunto e falar sobre a diferença que existe entre amor e paixão e o que deve ter acontecido entre Zumbi e sua “raptada”: o amor exige olhares dengosos, vegetarianos e cumprimentos formais; a paixão, ardentes beijos, olhares carnívoros e penetrantes. No amor, os corpos estão na vertical, retilíneos; na paixão, encontram-se, impreterivelmente, na horizontal, sendo um côncavo e outro convexo. No amor, o diálogo se prolonga e é quase interminável, tornando-se muitas vezes, monótono; na paixão, ele é curto, curtíssimo e muito cedo tem início a ação. O amor é um sentimento, uma superfície lisa, não se diz, se vive; a paixão você sente e pratica, é um exercício físico, procura qualquer espaço, reentrância. No amor os corpos são perfumados, bem vestidos e frios; na paixão são suados, quentes e completamente nus. O amor é urbano, feito em motéis com luzes multicoloridas, cascatas artificiais e lençóis de seda; a paixão é rural, iluminada pela luz do sol, da  lua, das estrelas e pratica-se em qualquer lugar, quanto mais primitivo melhor. No amor os corpos apenas tocam-se; na paixão, um está dentro do outro. O amor exige carícias, delicados beijos, promessas jamais cumpridas; a paixão, beijos ardentes e violentos, mordidas e arranhões. O amor é racional, humano, ético; a paixão é instintiva, animalesca, é um processo licantrópico, draconiano, onde se tem como cama o capim seco dos campos, o solo da estrada, como luminárias o brilho da lua e das estrelas, como cobertor o calor que emana de nossos corpos ou de outros animais e como banheiro uma bica de bambu, um poço de águas mornas ou uma cascata de águas cristalinas. No amor o gozo é silencioso, formal educado; na paixão quando se goza se urra, se berra, se uiva como um animal e depois se desfalece. No amor, como prelúdio, costuma-se ouvir músicas sofisticadas e ver imagens pornográficas; na paixão o que se escuta é o som da natureza, ou seja, o canto dos grilos e das cobras, o croacar dos sapos, o pio das corujas    , o vôo de um bacurau, o latido de um vira-lata, a luz de um vaga-lume, o relinchar de um cavalo, o mugir de um boi e o belíssimo som de uma cachoeira. No amor, beija-se delicadamente a boca e as mãos; na paixão, lambe-se todo o corpo. No amor os orgasmos são artificiais e depois do ato costuma-se dizer: ”foi ótimo amor”, ou “gostou querida (o)”? “Sim, gostei muito benzinho” e tem início um papo, no mínimo, imbecil; na paixão, as gozadas são tão fortes que nos tiram todas as forças, ficamos semimortos e adormecemos em cima da fêmea, também totalmente semimorta. Quando recobramos as forças e tomamos fôlego, beijamos a parte superior de sua vagina, passamos a língua no seu umbigo e ouvido, mordemos delicadamente seus seios e lábios e dizemos: como você é gostosa! No amor há pactos, limites, imposições, exigências; na paixão, tudo é libidinoso, possui segundas intenções, sem que seja necessário nenhum compromisso. A História registra: há paixões que destrói um Império, como a de Paris por Helena; há outras que  causam uma completa revolução, como a de Akhenaton por Nefertite; há paixões em que se manda matar o marido da bem-amada, como a do rei Davi por Betsabéia; há outras em que a mulher gosta tanto do marido que chega a causar inveja aos deuses, com a de Penélope por Ulisses; há paixões que causam a morte dos escolhidos da Divindade, como a de Sansão por Dalila; há outras que só se concretizam na eternidade, como a de Romeu por Julieta; há paixões em que o imperdoável é perdoado, como a de Ximena por El Cid (Rodrigo Diaz de Bivar); há outras em que usamos todos os truques possíveis para possuirmos quem desejamos, como a de Salomão pela Rainha de Sabá; há paixões em que a maior prova de amor é dada pela renúncia ou morte, como a de Tristão por Isolda; há outras que somos desterrados da espiritualidade, isto é, morremos para o mundo e a bem-amada é morta, como a de Lancelot por Guinivere.  Ah! Que diferença existe entre o amor e a paixão! Benditos e felizes sejam os apaixonados! É a paixão que move o mundo! Ela é     a causa de tudo! Sem paixão não há nada, pois nada tem sentido.
O homem ou a mulher que, ainda, durante o dia não espantou os animais ou quebrou o silêncio quase sepulcral de uma belíssima noite enluarada devido aos fortes gritos causados pelo gozo de uma faraônica transada ou fenomenal chupada no lageado de uma pequena cascata ou nas margens de um pequeno e manso poço rodeado de bambus, não tem a menor idéia do extremo prazer que se sente e de como tudo se comporta de maneira diferente. Se Zumbi escolheu, por inúmeras vezes, praticar a última opção, ou seja, chupar a vagina pequena e apertada de uma cabocla fogosa, de coxas grossas, seios fartos, nádegas duras e bem localizadas, é preferiu fazê-lo com ela em pé, debaixo de uma bica. Como a gozada foi muito forte ele teve cuidado, porque ela podia ferir suas orelhas, arrancar seus cabelos ou machucar seus lábios de tanto esfregá-los em sua deliciosa e saborosa vagina. Deixou que ela o fizesse com a “violência” e da maneira que o momento exigia. Deixou que ela gritasse, berrasse, urrasse, esperneasse, peidasse, urinasse
em sua cara, e dissesse o que o que quisesse. Não reclamou de nada, nem durante e muito menos depois. Lembrou-se que o momento era, exclusivamente, dela. Se a gostosa cabocla, depois de gozar, como de costume, desfaleceu, segurou-a com carinho para que nada a machucasse e, depois, relinchou como um cavalo e completou o feito.

    Portanto, nada impede que, por pura e espontânea vontade e movidos pelo desejo, Zumbi e Maria – seja lá qual for o seu nome – tenham, por incontáveis vezes, se lambido libidinosamente e dado trepadas titânicas e gozadas épicas nos ambientes paradisíacos que existiam nos Palmares
Continuando com o assunto, lembramos que não há dúvida de que, mesmo com toda manipulação documental, Zumbi foi a figura mais proeminente e respeitada de sua época. Era um guerreiro hábil e de ataques, na grande maioria das vezes, letais. Mas, será que ele merecia mesmo sua terrível reputação? Seus ataques mataram, mas poucas pessoas foram mortas. Ele não chegou a ser tão agressivo quanto nas histórias que contam. Claro está que seu propósito é tornar a lenda bem maior do que a realidade para nos fazer acreditar na mais absurda das versões: a de que ele era um elemento de alta periculosidade. Um delinqüente. O mais perigoso dos delinqüentes, pois já que detinha o poder nos Palmares, todo o mal era oriundo de sua vontade e por isso devia ser eliminado. Como ninguém, souberam capitalizar esta fábula. Esta falácia histórica. Hoje, que conhecemos as patologias e as enfermidades mortais, somos levados a crer que, com relação à Zumbi, o status quo desenvolveu uma terrível doença, o pânico e, como conseqüência, o
medo irracional de se sentirem desprotegidos em seus próprios espaços.
Por outro lado, sabemos que os fatos acima narrados são insuficientes para explicar satisfatoriamente os motivos que levaram os inimigos de Zumbi a cometer tanta crueldade e brutalidade. O seu assassinato, longe de por um ponto final em toda história, suscita novas perguntas. As questões que surgem naturalmente são: por que mutilaram seu cadáver? Por que lhe cortaram o pênis e enfiaram-no em sua boca? Por que lhe arrancaram um olho? Por que lhe deceparam a mão direita?
A única resposta oficial que possuímos é para a mutilação de uma das mãos. Ela nos é fornecida pelo Título XLI, do Livro V, do Código Filipino que afirma que este era o castigo aplicado ao escravo que roubasse armas de seu senhor.
O tempo passou e as lesões de natureza gravíssima que foram praticadas no cadáver de Zumbi continuam sendo perturbadoras. Ainda especula-se muito sobre os verdadeiros motivos. Nunca deixa de aparecer novas explicações. Algumas caluniosas. Outras difamadoras.
Pelo menos para mim, está fora de dúvida que a causa mortis de Zumbi foram os ferimentos causados por arma branca e de fogo. Sua quantidade pode ser explicada pelo ódio que lhe devotavam.
A castração corrobora os relatos de raptos de mulheres brancas, importantes ou não, e o pênis “enfiado na boca” comprova não só sua virilidade como a hipótese de que elas permaneceram com ele, nos quilombos ou em sua Fortaleza, por livre e espontânea vontade. Esta vitória amorosa e sentimental foi encarada como um ato criminoso, pois os poderosos senhores de engenho foram trocados por homens que além de escravos eram considerados violentos. Esqueciam que as “sinhás”, sexualmente falando, viviam à margem. Estavam fartas de serem substituídas. Fartas de serem tratadas como meros objetos figurativos. Fartas de cometerem os mais hediondos castigos devido ao ciúme. Castigos que de nada adiantavam porque o apetite sexual de seus senhores continuava dirigido às belíssimas curvas das escravas. Chego a acreditar que algumas “rezavam” para que o engenho fosse invadido e os palmarinos as levassem. Só assim voltariam a se sentir novamente como verdadeiras mulheres.
Por que lhe “faltava um olho?” O documento que descreve o crime não menciona qual: se o direito ou o esquerdo. Talvez Zumbi fosse cego de um olho. Por quê? Se mergulharmos no passado longínquo, obteremos elementos que, possivelmente, nos forneçam a causa: em primeiro lugar, podemos supor que se tratava de uma doença congênita; em segundo, a maneira como foi abruptamente arrebatado dos braços de sua querida mãe pode ter lhe causado uma doença nervosa que provocou a parcial cegueira; em terceiro, como ele foi violentamente conduzido a Porto Calvo pelos rudes expedicionários, sem nenhum cuidado, a flora ou os maus tratos pode ter lhe cegado; em quarto, pode-se atribuir a perda de seu olho aos castigos aplicados pelo seu antigo titular, o Padre Antônio Melo e em quinto, resta a explicação de que o mesmo ficou cego devido a ferimentos em combates. Foi por isso que só lhe “arrancaram” um único olho: o sadio.
Por que lhe “cortaram a mão direita?” Apesar de existir uma explicação oficial, nada impede de afirmarmos que Zumbi teve sua mão direita cortada porque ele era destro e, portanto, praticava todos os seus atos com esta mão. Por que não lhe cortaram a mão esquerda? A explicação mais plausível é a de que ele poderia sofrer de algum tipo de paralisia no braço esquerdo adquirida num dos vários confrontos militares.
Cego, não é aquele que têm olhos, mas não enxergam. Cego, é não perceber o que os olhos não conseguem ver. É não enxergar com a inteligência. É não detectar o que, possivelmente, mais se aproxime da verdade. Seja ela qual for.

    6.         Por que não mais se falou em um Zumbi?

Por que, depois deste fato, não se fala mais sobre uma pessoa chamada Zumbi? Há várias explicações: a primeira, é que só existiu um único Zumbi; a segunda prende-se a destruição da Fortaleza, pois com ela foram-se não só os exímios guerreiros como também todos os que tinham o conhecimento necessário para a realização de determinados rituais; a terceira refere-se a uma explicação nada convencional.
O “NOVO DICIONÁRIO BANTO DO BRASIL”, de Nei Lopes, nos fornece três significados para a palavra Zumbi:

1. “Ente imaginário que, segundo a crença popular, vagueia a horas mortas (FF)”;

2. “Designação dada ao fantasma, à suposta aparição de certos animais mortos (CC)”;

3. “Do quimbundo nzumbi, espírito; espírito perturbado, perseguido, atormentado. Em quimbundo, a raiz nzumbi se liga à idéia de imortalidade; e a essa idéia parece estar ligado o nome do herói de Palmares”.

A segunda explicação da palavra Zumbi não deve ser levada em conta porque nada mais é do que uma deturpação da versão original da makanda, uma das mais violentas formas de vodu. Segundo os mestres, quando um animal morre libera energia que alimenta os participantes do ritual. Visto desta maneira, a explicação de Zumbi como “Designação dada ao fantasma, à suposta aparição de certos animais mortos”, não passa de uma má interpretação do alimento energético oriundo dos sacrifícios.
Acima eu disse que há uma explicação nada convencional para o silêncio em torno de alguém voltar a ser chamado de Zumbi.
No País onde se acredita na existência dos mortos-vivos, no País dos Zumbis, o Haiti, é crença geral que este tipo de entidade existe e já foi vista.
A explicação científica é a de que a mistura de vários ingredientes, incluindo o veneno do baiacu é, de alguma forma, ingerido pela vítima. Como a neurotoxina presente no peixe é extremamente forte, dá apenas à pessoa que ingeriu a mistura a aparência de morto, donde se conclui que elas são enterradas vivas e depois de sete dias, desenterradas. Como o pânico causado pela sensação de ser sepultado vivo é enorme e o que foi ingerido causa lesão no cérebro, quem passou por este indescritível transtorno fica sem vontade, ou seja, perde a própria vontade de viver.  É isto que grande parte dos cientistas acredita ser o processo de zumbificação.
E se não for assim? E se existirem sacerdotes, feiticeiros, que possuam o poder de, através de rituais vodus secretíssimos, restituírem a vida a quem está realmente morto? Não é conhecidíssima, no Haiti, a história de que o sacerdote vodu tem o poder de criar mortos-vivos? De que, como acima já mencionado, tais entidades já foram vistas? Se foram vistas é porque existem. Se existem é porque ainda há quem tenha conhecimento e domine com tal habilidade as “hecau”, ou “palavras de poder”, que são capazes de trazer de volta a vida quem realmente e verdadeiramente morreu.
Então, porque não ocorreu o mesmo com Zumbi? Por que não o trouxeram de volta à vida? Os que possuíam o conhecimento secreto para realizar tais rituais foram mortos ou aprisionados com a destruição da Fortaleza. Zumbi foi decapitado. Teve uma mão e o pênis cortado. O corpo quase que totalmente perfurado por armas de fogo e branca. Além do mais, ensinam os mestres, que o cadáver a ser ressuscitado não poderia ultrapassar dez dias como moribundo. Talvez aí esteja a razão. A única e verdadeira razão porque nunca mais se ouviu falar em alguém com o nome Zumbi. Por fim, tenho a acrescentar que por mais fantástico que pareça o que ora digo, note-se que combina com a primeira e, principalmente, a última explicação para o nome ZUMBI fornecida por Nei Lopes, autor do retro mencionado Dicionário.

    7.         Os Premiados

Todos sabem que traidores – figurinhas patéticas, subservientes e destituídas de caráter que se comportam como imperadores sem império, reis sem palácios, condes sem castelos e se sentem muito bem quando os fiéis somem e os amigos desaparecem – e assassinos – exterminadores racionais da própria espécie – são bárbaros que destroem a família e, como a família é a célula da sociedade, destroem também a sociedade, pois a união familiar é a principal responsável pelo seu perfeito funcionamento. Não precisamos de professores e muito menos de leis para sabermos que o “prêmio” devido a estes dois tipos é o rigoroso castigo. A punição exemplar.
Em certos casos, a História, no entanto, nos ensina ao contrário. Ensina-nos que este princípio só tem validade para os vencidos. Nunca para os vencedores. Nas hostes vencedoras, por mais cruéis e vândalos que sejam os atos praticados por seus componentes, não há mercenários, não há traficantes de consciência, não há traidores, não há assassinos. Há, somente, heróis que recebem os aplausos, a admiração de todos e são retumbantemente condecorados na presença das mais altas autoridades.
Foi, por um lado, pensando no comportamento deplorável desses vermes, desses tipinhos asquerosos e em suas “colossais vitórias” e, por outro, na bravura indômita do “Tigre dos Palmares” que um dos maiores ícones políticos de minha família, Octávio Brandão Rego (*MDCCCXCVI + MCMLXXX), na poesia “A MORTE DE ZUMBI”, publicada no Almanach de Viçosa, referente ao ano de 1919, a página 114, escreveu em 1914:

Amplo horizonte. Rude, a ventania

Passa beijando os verdes bananais,

E vai rugir, impávida e sombria,

Muito além, pelas faldas virginais,

O Paraíba canta a louçania

Da Natureza. As matas colossais

Ora vão perlongando a serrania,

Ora derivam para os tremedais.

Os negros debandados, foragidos,

Vagueiam no infinito das planuras,

Mas Ele sem fraquezas, sem gemidos,

Sentindo ser escravo como dói

Salta daquelas plácidas alturas:

-Entre tantos bandidos, um Herói!

Não é do meu conhecimento que aqueles que tentaram corrigir os erros cometidos pelos que representam o status quo e foram vencidos – quero deixar claro que não falo de reconhecimentos posteriores – por mais nobres que tenham sido os ideais de sua luta e mais puros os desejos de seu coração tenham obtido sequer um microscópico lugar na interminável escada da glória. Pelo contrário, a eles somente está reservado o desprezo, o ódio e, por fim, o extermínio.
Com o passar dos anos o olfato de Octávio Brandão ficou mais apurado, mais sensível. Com relação a seus objetivos – liberdade e igualdade – a estrutura fez com que ele começasse a sentir no ar um cheiro estranho, pois possuía o odor fétido do fascismo porque não havia espaço para o que pretendia. Mais uma vez, foi à luta de Zumbi que o inspirou. Em 1918, na poesia “AO NINHO NATAL”, publicada em 1931, na página 228, do Álbum do Centenário de Viçosa, lembrava:

Verdes selvas natais, montanhas verdejantes

Do meu torrão viril, de sol canicular,

Paraíba sonoro em todos os quadrantes,

Ò terra varonil, ò meu sonho, ò meu lar!

O Índio viveu aqui na dor e desventura,

Por aqui já passou em luta o Bandeirante,

Neste solo viveu aquele sem ventura

– O Zumbi, o varão, o eternal, o gigante!

Brilhavam no Zumbi clarões da liberdade,

E naquele seu gesto indomável, profundo,

Havia o sopro astral, sublime da igualdade,

Existia um herói que assombraria o mundo.

No sangue, em turbilhão, como no próprio lar,

Canta e brada o universo em anseios febris,

Neste meu sangue rubro eu sinto flamejar

O valor ancestral nos ímpetos viris.

Serranias azuis da terra luminosa

Onde o gavião desfere ao ar seus grandes gritos,

Há em ti, minha terra esplêndida e formosa,

Um desejo de luz, de clarões, de infinitos!

Não podia ser diferente com Zumbi e aqueles que participaram de sua traição e assassinato: Antônio Soares, o traidor, foi incorporado, por Frei Loreto do Couto, “à galeria dos grandes beneméritos da história pernambucana”, o Capitão André Furtado de Mendonça, o assassino, foi recompensado com uma valiosa “ajuda de custo” e o “Tigre dos Palmares” sadicamente assassinado.
Este absurdo comportamento humano independe de época, região, etnia e status. Ninguém está livre do lado escuro do ser humano. Basta que por um insignificante momento, olhemos para o passado: Amenemhat I, que segundo os “Adestramentos para o filho Sesóstris” afirmava: “Tenho dado ao pobre, alimentado o órfão, aceitado em minha presença qualquer homem, como homem de grande prestígio. E, no entanto aquele que comeu a minha comida se revoltou e aquele a quem estendi a mão teve medo dela”, ao que tudo indica, foi vítima de uma conspiração palaciana; Amenófis IV (Akhenaton) e Nefertite, sua esposa, que tentaram acabar com a bagunça do politeísmo instalando o monoteísmo, tiveram suas memórias apagadas da história do Egito; Jesus, que pregou o maior dos mandamentos, o amor ao próximo, teve milhares de seguidores, terminou crucificado sozinho no monte Calvário e Ghandi, (se existe Reencarnação, Ghandi foi à de Jesus) o “Apóstolo do Amor”, foi friamente assassinado. Estes raquíticos exemplos são suficientes para reforçar a idéia, a crença, ou até mesmo a convicção de que quase a totalidade dos acontecimentos do mundo tangível tem sua origem no mundo intangível: há sempre alguém ou alguma coisa em algum lugar do espaço-tempo conspirando contra a gente ou, em outras palavras, vivemos cercados por conspiradores, sejam corpóreos ou puramente espirituais. A propagação do bem é menos veloz do que uma tartaruga, mas o mal se move mais rápido do que a velocidade da luz e tem uma receptividade extraordinária, pois não falta quem o ajude a se espalhar para, num brevíssimo espaço de tempo, a todos contaminar. É muito fácil trair o bem. E como é fácil! O difícil é não ser fiel ao mal.
No presente, para enxergar o que afirmo, não há necessidade sequer de óculos, pois o comportamento sádico de certas pessoas e de quem pode dar um basta na gigantesca miséria humana espalhada pelo Globo é tão aberrante que até o cego de Jericó enxergaria sem que fosse necessário Cristo lhes restituir a visão.

 

    A FORTALEZA DE ZUMBI

Aqueles que constituem o Tribunal da História do Brasil, ainda não procuraram saber, quantas e quais são as realizações materiais dos primeiros ocupantes do nosso território, que podem ser consideradas como maravilhas de nosso passado.
Tenho absoluta certeza de que, quando esse egrégio colegiado se reunir, com esse propósito, a atenção de todos os pesquisadores estará, inevitavelmente, voltada para o Nordeste e, especificamente, para a Zona da Mata, provavelmente do Estado de Alagoas, pois foi aqui que, no período compreendido entre os anos de 1690 e 1694, Zumbi e seus seguidores construiu, para se defender da escravidão, o monumento dos monumentos: a Fortaleza de Zumbi.
Esta Fortaleza é, sem dúvida, o assunto mais intrincado e apaixonante de toda a história de Palmares, pois a sua importância, tamanho e complexidade fazem-nos repensar a capacidade de todos daqueles que participaram do final da epopéia da “Tróia Negra”.
A Fortaleza de Zumbi erguia-se no cume de uma misteriosa serra e constituía-se de três cercas concêntricas de pau-a-pique, “de duas mil quatrocentas e setenta braças craveiras” (aproximadamente, oito mil e seiscentos metros), “com torneiras a dois fogos a cada braça” (pequenas aberturas na cerca para a introdução do cano das armas de fogo), “com flancos” (espaços com corpos de tropas), “redutos” (trincheiras ou recintos na fortaleza para aumentar a resistência), “redentes” (construção na parte superior da cerca de onde os defensores da fortaleza combatiam), “faces” (diferentes alterações nas construções militares para abrigar guerreiros), e “guaritas” (pequenas casas ou torres onde se instalavam as sentinelas).
Enganam-se os que pensam que a relação acima englobava todos os aparatos do sistema defensivo, pois para aumentar e tornar os obstáculos quase intransponíveis e proteger ainda mais a Fortaleza e seus defensores, “os exteriores” (área circunvizinha), eram “cheios de estrepes ocultos” (peças de madeira ou de ferro, pontiagudas, fincadas no solo obliquamente) “e de fossos” (grandes e profundas levadas) “cheio deles, de todas as medidas, uns de pés” (com a função de ferir os pés), “outros de virilhas” (com a função de atingir as virilhas), “outros de garganta” (com a função de perfurar a garganta).
Ao acrescentarmos a todo esse sistema defensivo, as dificuldades impostas pela exuberante flora, topografia da região, centenas de guerreiros detentores dos mais variados tipos de armas e dezenas de civis utilizando-se dos mais diversos meios de defesa, descobrimos porque era absolutamente impossível alguém se aproximar da Fortaleza sem que fosse imediatamente afastado, ferido ou morto.

    1.         O Porquê da Construção da Fortaleza

forta

Os que fugiram dos engenhos para a região que ficou conhecida com o nome de Palmares, encontraram uma segunda Canaã, uma segunda Terra Prometida. Apesar das profundas cicatrizes deixadas pela saudade da terra natal e pelos desumanos tratos recebidos, se contentaram com a tranqüilidade de nossos bosques, com a fartura de nossa fauna, com a fragosidade de nossa flora e com a fertilidade de nosso solo. Tudo era exuberante.
Queriam apenas viver em paz. Serem tratados como seres humanos. Terem direito a terra. Explorá-la e trabalhá-la incessantemente para dela retirar sua completa subsistência. Não puderam porque os ditos supercivilizados da época lhes impuseram um pavoroso regime: o do terrorismo.
A quantidade de terras e de escravos que possuíam, não era suficiente e por isso invadiam os Palmares, saqueavam e depois incendiavam os quilombos, destruíam suas plantações, roubavam suas criações, estupravam suas mulheres, raptavam suas crianças, velhos e velhas, matavam seus guerreiros e, os poucos que sobreviviam, retornavam a uma bárbara escravidão.
As perdas causadas por estas investidas eram terríveis. Para evitá-las eram obrigados a viverem como ciganos, ou seja, em constante processo de mudança. Se, por um lado, este comportamento resolvia a situação, por outro, só piorava, pois cada vez que isto acontecia, tudo o que havia sido construído através de árduo trabalho e muito sofrimento, era deixado para trás, simplesmente destruído. É difícil, muito difícil, viver sempre recomeçando! E como é difícil!
Cansado de tantos começar de novo Zumbi, um pouco antes de 1694, decidiu, de uma vez por todas, tomar uma atitude radical: acabar com o desespero causado pelas constantes investidas anti-palmarinas, parar com a guerra de cigano que até então mantinha, se fixar em determinado ponto dos Palmares, construir uma super-fortaleza no cume de uma serra e partir para o tudo ou nada. Tinha consciência de que se vencesse o grande exército colonial que, com certeza, marcharia contra ele, a repercussão de sua vitória seria tão grande que todos os escravos se rebelariam e a escravidão acabaria. Com a ajuda deles e de todos os outros excluídos, passariam a ter o completo controle não só da Capitania de Pernambuco como também da Paraíba e do Rio Grande do Norte e jamais os supercivilizados voltariam a reconquistá-las. Não haveria necessidade de nenhuma Lei Áurea, pois o fim do cativeiro seria escrito, em 1694, não pelas mãos perfumadas e delicadas de uma Princesa que segurava uma pena de ouro de caneta banhada com tinta,
mas por uma baioneta, balas, facões, foices e facas ensopadas com o sangue da mundiça escravista. Neste caso, o conteúdo dos livros de História do Brasil seria completamente diferente. E como seria!

    2.         A Destruição da Fortaleza.

Sabedoras desta decisão as tropas coloniais se puseram em marcha. Nunca se vira tão grande exército. Tantos mercenários juntos. Calcula-se em mais de três mil. Lenta e decididamente, através de vales, colinas e montanhas, esta legião interminável rumou para a colossal fortificação. Lá chegando, os otimistas tornaram-se pessimistas, os decididos, tímidos e os corajosos, receosos, pois o que viram em todos os aspectos extrapolava o que haviam imaginado
No entanto, o estado de espírito derrotista que se abateu sobre as tropas não foi suficiente para fazer desistir seus comandantes: inúmeras vezes investiram contra a Fortaleza, mas devido à sofisticação de seu sistema defensivo interno e externo eram violentamente repelidos.
Para solucionar este problema e, também, aprisionar todos os defensores da Fortaleza dentro dela mesma, Domingos Jorge Velho foi de uma astúcia satânica: mandou construir duas contra cercas oblíquas a Fortaleza.
No vigésimo segundo dia de cerco e trabalhos – quando a contra- cerca construída sob a supervisão de Domingos Jorge Velho havia encostado na Fortaleza e a outra, supervisionada por Bernardo Vieira de Melo, achava-se a oito braças do mesmo objetivo Zumbi e seus guerreiros saíram, através deste espaço, na madrugada do dia 6 de fevereiro de 1694, com o objetivo de lutar contra o exército invasor.
Foram pressentidos pelas sentinelas que, sem perca de tempo, deram o alarme e, da escuridão, centenas de armas de fogo foram disparadas. Uns morreram no local e, como tudo acontecia nas imediações de um precipício, outros despencaram no mesmo – fato gerador da lenda do suicídio épico – os restantes foram aprisionados e a Fortaleza foi incendiada. Apesar de o cerco a Fortaleza ter durado apenas 22 (vinte e dois) dias, o que aconteceu durante e após sua destruição foi de uma natureza tão brutal e genocida que só é igualada aos grandes crimes registrados pela História. Além do mais, após sua queda, toda a região foi submetida a uma indesejável atenção da inquisição militar dos exércitos invasores dos ditos supercivilizados.
Em seis de fevereiro de 1694, Zumbi, aos trinta e nove anos, desesperado, vê o gigantesco baluarte que mandara construir para defender o direito de ser livre, o direito de ser tratado como ser humano, cair. Cair, para sempre.
Apesar de todo esforço, de todo trabalho, todo idealismo, toda nobreza de ideal, toda coragem e valentia de seus defensores, a gigantesca Fortaleza foi incendiada. O principal símbolo da resistência escrava e a última esperança de liberdade foi completamente destruído, totalmente consumido pelas chamas. Ardeu como no passado arderam as fogueiras da Inquisição com os corpos de homens e mulheres que não possuíam nenhuma culpa; como o castelo de Montségur, com os santos cátaros e, como no futuro, arderiam os fornos de Auschwitz, com os inocentes judeus e se vaporizariam milhares e milhares de japoneses com as bombas de fissão nuclear.

Que destino trágico para a liberdade!

    3.         A Liderança de Zumbi: Uma Grande Mentira?

Nos Palmares viviam milhares de ex-escravos. Como após o assassinato de Ganga Zumba foi Zumbi quem ficou como líder absoluto desta enorme massa, nada mais correto do que supor que uma boa porcentagem o acompanhou para ajudar a defender a Fortaleza.
Ficamos perplexos quando, ao compulsarmos os documentos que nos falam sobre a queda da Fortaleza, verificamos que isto não ocorreu, pois segundo um Requerimento de Domingos Jorge Velho – corroborado por outras fontes históricas primárias – por ocasião da queda da Fortaleza caíram no precipício “couza de duzentos, e mataram-se outros tantos, e aprisionaram-se quinhentos e dezenove de todos os sexos e idades…”.
Entre os documentos que autenticam o citado Requerimento cito como exemplo, a “Carta do Governador de Pernambuco, Caetano de Mello e Castro, de 18 de fevereiro de 1694, sobre a gloriosa restauração dos Palmares”, que afirma textualmente: “… e não houve entre os nossos toda a resistência necessária pelos poucos defensores que se achavam naquele distrito…”.
A se dar crédito a essas fontes históricas, a liderança de Zumbi resumia-se a novecentas e dezenove pessoas, incluindo velhos e velhas, rapazes e moças, crianças de ambos os sexos e os guerreiros.
Como se vê, a discrepância é considerável. A opinião dos historiadores e o relato de Domingos Jorge Velho contrastam-se completamente. Não há a mínima similaridade. Apesar disto, é a versão que Zumbi liderava uma imensa quantidade de palmarinos a mais lembrada e constantemente reproduzida.
A Fortaleza de Zumbi era uma mega-construção. Sabemos, através das informações transmitidas pelos repressores e corroboradas por outras fontes históricas, que para Zumbi construí-la necessitava de uma rígida organização, disponibilidade de trabalhadores e uma abundante mão-de-obra especializada.
Aqui, uma pergunta de extrema relevância se impõe: qual, então, a explicação para tão poucos defensores?
Esta pouca quantidade de defensores nos leva as seguintes conclusões:

a.    o número de palmarinos aprisionados foi, na verdade, muito maior e houve um gigantesco caso de falsidade ideológica;

b.      se correta esta hipótese, temos de admitir que sua construção exigiu um esforço extraordinário dos adeptos do plano de Zumbi;

c.      milhares eram os seguidores de Zumbi, mas a propaganda do gigantesco exército que marchava contra a Fortaleza fez com que a grande maioria debandasse, ou seja, fugisse para distante do local do combate;

d.      os que foram assassinados, pelas tropas invasoras na madrugada do dia 6 de fevereiro de 1694, por arma de fogo e branca, ultrapassa consideravelmente a quantidade citada pelos documentos;

e.      o número de palmarinos que caiu no precipício na mesma madrugada foi muito maior do que a relatada;

f.      finalmente, temos de admitir que é verdade, então, que a tão badalada liderança de Zumbi era, na realidade, uma das maiores mentiras que povoaram o período final da epopéia palmarina. Apesar de esta hipótese ser incondizente com o gigantismo da Fortaleza, temos de levá-la em consideração e admitir que aqueles que seguiam e acreditavam numa possível vitória de Zumbi resumia-se, na realidade, aos que foram encontrados na Fortaleza.

Quem quer que tenha o interesse de compulsar a documentação existente sobre o assunto constatará que a mega-fortaleza com seu sistema defensivo interno e externo não só exigia uma abundante mão-de-obra e especializada para ser construída como também para ser defendida. O problema é que a documentação contemporânea aos fatos narrados nega a quantidade de defensores que seria necessária.

  4.         A Farsa da Serra da Barriga

A serra da Barriga, onde se acredita que ocorreu a grande batalha de 6 de fevereiro de 1694, já foi escavada e re-escavada inúmeras vezes por diversos arqueólogos de grande experiência e utilizando tecnologia arqueológica moderníssima. Em assim sendo, totalmente cabíveis são outras duas perguntas: quais as descobertas arqueológicas de relevância efetuadas na Serra da Barriga que possam comprovar que neste acidente geográfico existiu um monumento de tais proporções? Se nada, neste sentido, encontraram até agora, por que ainda continuam gastando dinheiro público e dando a entender que foi nesta serra onde tudo ocorreu? Por que as comemorações são realizadas neste local? Quais os estudos feitos no sentido de esclarecer que “os Outeiros do Barriga”, o “Outeiro do Barriga” ou a “Serra do Barriga” de Domingos Jorge Velho é a mesma serra que hoje conhecemos com o nome de Serra da Barriga, situada em União dos Palmares?
Não tenho certeza, mas acredito que foi na administração do saudoso Reitor João Azevedo, há mais ou menos trinta anos, que se começou a gastar dinheiro com o que se conhece como Palmares e com o personagem Zumbi.
Historiadores, paleógrafos, sociólogos, antropólogos, arquitetos e arqueólogos, entre outros, estavam envolvidos nos mais diversos Projetos, que tinham como objetivo estudar setorialmente o principal foco de resistência da “Tróia Negra” para fornecer explicações à sociedade.
Até Fundação, como a Fundação Palmares e outros órgãos – em Alagoas ainda existe o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro – NEAB – foram criados para estudar, orientar e patrocinar os interessados nas comunidades palmarinas.
Pergunta-se: quantos e quais foram os Projetos? Quem eram os responsáveis? Qual o valor solicitado por cada um? Quais os resultados? Já se fez alguma sondagem para se saber se os resultados apresentados são compatíveis com o que se gastou?
Pergunta-se: quanto foi gasto, a nível pessoal, municipal, estadual e federal, até o presente, com o assunto Palmares em Alagoas?
Sou de opinião que o caso Palmares, como um todo, há muito que está a exigir perguntas e respostas. Isto só se consegue se as autoridades competentes determinarem que se faça, com a máxima urgência, uma investigação, uma sindicância, ou outro equivalente procedimento administrativo, sério e minucioso, sobre os investimentos efetuados, o volume financeiro gasto em todos os aspectos relacionados com Palmares – que acredito não foi pouco – e, depois, comparados com os resultados obtidos para se saber quais os projetos, os respectivos responsáveis e de que forma houve o retorno para a sociedade. Saber, também e, principalmente, se esses resultados são convincentes e compatíveis com as despesas efetuadas.

O povo brasileiro exige e merece uma resposta.

    ZUMBI: VALENTE E CORAJOSO OU UM COVARDE FUJÃO?

Existe nos documentos que relatam o assassinato de Zumbi uma diferença no que reside ao como de sua morte. Nos documentos nº 38 – “Carta do Governador de Pernambuco Caetano de Melo e Castro dando conta de se ter conseguido a morte do Zomby a qual descreve. Pernambuco, 14 de março de 1696” – nº 39 – “Consulta do Conselho Ultramarino de 18 de Agosto de 1696, em que o Governador da Capitania de Pernambuco dá conta de se haver conseguido a morte do Zomby, e perdão que se deu ao Mulato que o entregou” – do livro de Ernesto Ennes, e nº 28 – “A Morte de Zumbi” – do livro de Décio Freitas, “República dos Palmares” – este semelhante ao de nº 39, de Ennes – lemos que a morte de Zumbi ocorreu da seguinte maneira:

Senhor

“O Governador de Pernambuco Caetano de Melo de Castro em carta de 14 de março deste ano dá conta a Vossa Majestade de se haver conseguido a morte do Zumbi, ao qual descobrira um mulato de seu maior valimento que os moradores do Rio de São Francisco aprisionaram, e remetendo-se-lhe topara com troço das tropas que dedicara àqueles distritos, que acertou ser de paulistas, em que ia por cabo o Capitão André Furtado de Mendonça, e temendo-se o dito mulato de ser punido por seus graves crimes oferecera que segurando-se-lhe a vida em nome dele Governador se obrigaria a entregar o dito Zumbi, e aceitando-se-lhe a oferta desempenhara a palavra, guiando a tropa ao mucambo do negro que tinha já lançado fora a pouca família que o acompanhava, ficando somente com vinte negros, dos quais mandara quatorze para os postos das emboscadas que esta gente usa no seu modo de guerra, e indo com os mais que lhe restaram a se ocultar no sumidouro que artificiosamente havia fabricado, achando tomada a passagem, pelejara valorosa ou d    esesperadamente, matando um homem, ferindo alguns, e não querendo render-se nem os companheiros fora preciso matá-lo, apanhando só um vivo…”.

O que nos informa sobre o assunto o documento nº 27 – “O Homem que Matou Zumbi” – publicado no livro de Décio Freitas, “República dos Palmares”?

Vejamos o trecho:

“… havido por cabo de 150 homens a correr a campanha dar nas cabaceiras (ou cabeceiras?) do rio Paraíba com mucambo do negro Zumbi chamado Rei, avançando por um lado o entrar de sorte que os pôs em fugida em cuja ocasião indo em seu alcance matou a cinco negros e ao dito Zumbi…”.

    Quais as diferenças?

1.        Aqui, não há a menor referência a traição do mulato Antônio Soares;

2.        É diferente o número de palmarinos que acompanhavam Zumbi;

3.        Não há menção aos que ficaram nos “postos das emboscadas”;

4.        Não se fala da existência de um “sumidouro”, mas sim, de um “mocambo”;

5.        Como óbvia conseqüência, um completo silêncio em relação aos que, com Zumbi, se dirigiram ao sumidouro;

6.        Zumbi não encontrou a entrada do sumidouro “tomada”, isto é, impedida;

7.        Não pelejou “valorosa ou desesperadamente” e nem feriu ninguém como lemos em todos os livros que tratam de seu assassinato;

8.        Quando houve o encontro das forças opostas, Zumbi e seus guerreiros fugiram;

9.        Foi morto porque o Capitão André Furtado de Mendonça o perseguiu e “matou a cinco negros e ao dito Zumbi”;

10.       Finalmente, não há a menor informação sobre o número e tipos de ferimentos sejam de arma branca ou de fogo em seu corpo.

Afinal, qual a versão correta? A que afirma que existia um sumidouro e Zumbi ao pretender nele se ocultar encontrou a “passagem tomada” e lutou bravamente até a morte, ou a que informa que ele, como um verdadeiro covarde, fugiu da luta e só foi morto depois de uma brutal perseguição?
Reconheço que este é um assunto muito controvertido, pois só a descoberta de novas fontes históricas primárias pode esclarecer o que realmente ocorreu. Enquanto este documento-chave não for descoberto permanecerá, sobre o “Tigre dos Palmares” a tenebrosa dúvida: ele, na realidade, fazia jus a fama de valente e corajoso ou não passava de um covarde fujão?